O que ensina o latim...

"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

terça-feira, 28 de maio de 2013

Dívida Pública a Retalho?

Após o regresso de Portugal aos mercados (emissão de Obrigações a 10 anos), surge a possibilidade de o Estado (via IGCP) vir a emitir dívida com maturidade superior a um ano directamente aos aforradores (em alternativa aos Certificados de Aforro/Tesouro). Isto mais não é que "contornar" os leilões de mercados para grandes investidores, mudando de abordagem e virando o foco para os "pequenos" investidores, sejam famílias ou empresas.

Em termos práticos, os títulos deverão (e aqui especulo dentro do que me parece razoável e lógico) ser emitidos em séries de valor predefinido (tal como as emissões de dívida privada de empresas), com taxa predefinida (e não leiloada) e um Valor Nominal (VN) bastante mais baixo que o dos leilões actuais. No entanto, estas emissões não deverão ter a dimensão dos leilões "oficiais" na ordem dos milhares de milhões de euros, mas apenas de dezenas de milhões (quiçá centenas, mas esporadicamente).

Porquê esta ideia/alternativa? Segundo Moreira Rato (Presidente do IGCP) "Houve no ano passado uma tendência das empresas em aproveitarem esta falta de oferta e o IGCP tenciona explorar esse segmento". Tomando como partida os casos Italiano e Irlandês, verifica-se que este tipo de emissões é viável, podendo ser utilizadas diversas maturidades e taxas (fixa, juro crescente ou mesmo prémios de juro sorteados - "prize bonds"). Como se pode ver abaixo, a Poupança Bruta (quer em valor absoluto quer em percentagem do Rendimento Disponível) tem vindo a recuperar durante a crise, estando já na média da última década (quase nos 12%), o que pode constituir uma oportunidade para o sucesso deste produto. Paralelamente, a tendência dos investidores por todo o mundo é de procurar obrigações, estando mesmo dispostos a receber cada vez menos para emprestar dinheiro (como noticiado pelo Económico - Edição Impressa de hoje, dia 28), sendo a oferta global de obrigações insuficiente para satisfazer a procura (o que pressiona a subida de preços destes activos e, por conseguinte, baixa a sua taxa de juro). Este aumento de procura já permitiu a Hungria, Sérvia, Roménia e Ucrânia evitar potenciais resgates financeiros. Do mesmo modo, também a Itália emitiu dívida com o juro mais baixo desde que entrou no Euro.


Fonte: Pordata


Relativamente aos Prós e Contras desta ideia:
1) Prós:
O Estado poderá efectivar uma poupança nos juros, visto a última emissão de dívida a 10 anos ter pago 5,6% e os depósitos a mais de dois anos pagam no máximo 4,7% (TANB - à qual é necessário deduzir comissões e impostos e ajustar ao período de capitalização de juros, o que a baixará substancialmente). Deste modo, o IGCP poderá emitir dívida com uma YTM (yield to maturityuma taxa (interna) de rendibilidade da obrigação que contabiliza todos os fluxos que esta virá a gerar) de 4-5% - com diversas combinações de cupão-prémio de emissão - que será atractiva quer para o Estado, quer para os investidores.
Do mesmo modo, esta canalização de "fundos estatais" para as famílias/empresas pode ser considerada como um "benefício fiscal" para os investidores. Basicamente, poderemos estar a falar de um efeito de "crowding out" cíclico entre investidores e Estado (o Estado paga cupões e capital aos investidores, que pagam impostos sobre o rendimento, retornando o dinheiro ao Estado que voltará a remunerar dívida, ...).
Finalmente, o Estado pode aproveitar o reforço de peso da dívida pública na carteira da Segurança Social para emitir estes títulos a taxas mais baixas que as do mercado primário.


2) Contras:
Uma primeira fragilidade desta "inovação" financeira é o facto de o acesso aos títulos estar condicionado pelo VN pedido "à cabeça". Isto verifica-se porque, como é óbvio, apesar de a poupança ter aumentado, nem toda a população terá fundos suficientes para entrar com 5.000 ou 10.000€ (alguns nem mesmo 1.000) numa posição.
Em segundo lugar, e como já referi acima, estas emissões não terão o mesmo volume dos leilões ditos tradicionais, já que os privados não têm capacidade financeira para alocar as necessidades financeiras do Estado na sua totalidade. Assim, podem ter como meio um aumento da confiança dos investidores privados no Estado enquanto credor, bem como exercer alguma pressão para que as emissões em mercado primário (leilões) baixem os juros mais rapidamente.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Ensinamentos: Prop Trading

Voltando aos ensinamentos (ficam aqui os anteriores: Inside Trading e Especuladores), desta vez com um conceito de negócio quase "de filme": o Proprietary Trading, ou Prop Trading como é vulgarmente designado (tentei procurar por uma tradução para Português, mas em vão).

Mas afinal o que é isto do Prop Trading? É, simplesmente, quando um intermediário financeiro decide tomar uma atitude de especulador, isto é, quando um Banco ou uma Corretora decidem investir nos mercados financeiros por conta própria. Além destes, existem ainda empresas especializadas nesta actividade (por exemplo a OSTC), onde não existe contacto com qualquer tipo de clientes (não recebendo comissões em % dos ganhos ou por transacção). Neste tipo de empresas, os capitais investidos são exclusivamente da empresa, que assume a totalidade do risco, gerindo-o como melhor entender.

Antes de explorar os riscos e vantagens deste negócio, deixar apenas uma curiosidade: o mais famoso exemplo de Prop Trading é o de Gordon Gekko no filme Wall Street, de Oliver Stone.

Quanto às vantagens deste negócio, a mais óbvia é o potencial de lucros. Como é do senso comum, um trader experiente e atento facilmente consegue grandes lucros, seja em posições intra-day (posições abertas e fechadas durante a mesma sessão bolsista), seja em posições mais longas. Isto é uma vantagem para qualquer hedger, visto ter à sua disposição um maior número de investidores disponíveis para contrapor a sua posição no mercado, garantindo a liquidez dos títulos.

Mas, "with great power, comes great responsability" (mantendo a tónica da Sétima Arte). Ou seja, os riscos inerentes a este género de prática são, no mínimo, enormes! Isto essencialmente por três motivos: (1) o capital investido não é responsabilidade dos traders, a quem muitas vezes são dadas carteiras de valor superior a 20.000 euros (para novos traders), podendo chegar a muitos milhões (em grandes bancos, p.e. Goldman Sachs, JP Morgan - onde esta prática determina uma grande fatia de resultados); (2) esta prática (além de financiamento e de salários) não traz nada de novo/relevante à economia real, pelo que os resultados apenas consistem em comprar barato para vender caro (seja por esta ordem - posições longas - ou pela inversa - posições curtas); (3) se ao Prop Trading juntarmos (como acontece na banca de investimento) serviços de aconselhamento a investidores, incorremos em casos em que a empresa pode tentar influenciar o preço do activo financeiro transaccionado por aconselhar a compra/venda de activos onde detém posições longas/curtas.

Proprietary trading nas palavras de Heather Stewart:

"Not only might the prop desk be betting on the direction of share prices, acting like an in-house hedge fund, it might also be gambling on property, complex derivatives, commodities, or any traded asset."


Desta vez, deixo um final algo diferente. Creio que o exemplo do "Kurt, o negociante de diamantes" é bastante elucidativo do que são as práticas neste ramo e de como se pode tratar de um complemento para a Banca de Investimento.




segunda-feira, 20 de maio de 2013

Ferreira do Amaral e Saída do Euro - parte 1

Com base numa palestra decorrida há duas semanas, no ISEG, pretendo aqui trazer, em duas partes, os argumentos apresentados e o meu juízo aos mesmos. O tema em debate foi a saída de Portugal do Euro como resposta à crise actual. Apresentado pelo prof. João Ferreira do Amaral (JFA) – das poucas personalidades públicas que defendeu consistentemente, desde início, que Portugal não deveria ter aderido à moeda única.
Neste primeiro post, vou resumir o que foi dito na palestra. No próximo, tratarei de fazer a minha crítica aos argumentos apresentados.

A palestra seguiu 3 etapas:
  1. Na primeira, JFA apresentou a sua visão acerca das origens da crise portuguesa;
  2. Na segunda, expôs a sua opinião sobre o actual programa de ajustamento financeiro e o porquê de ele não estar a dar resultado;
  3. E na terceira, vincou a alternativa para a situação actual: a saída do Euro.


     1.   Diagnóstico
Na primeira parte, o orador procurou descrever as razões estruturais para a crise nacional.
Entre elas, sublinhou a distorção da estrutura económica ocorrida desde há 2 décadas, virada para sectores de bens não-transaccionáveis. A indústria transformadora nacional pesa hoje cerca de 13% do PIB, quando em 1990 a sua importância na economia rondava os 22%, referiu.
Os efeitos do processo de “desindustrialização” fizeram-se sentir na balança de transacções correntes, progressivamente mais deficitária, conduzindo ao endividamento e sucessiva acumulação de dívidas, tornando Portugal no segundo pior registo da zona monetária desde o início do século (a seguir à Itália).
Na introdução do sistema monetária europeu, o escudo estava demasiado valorizado face às restantes moedas, o que representava um corte com o passado nesse âmbito. Resultado: houve um grande incentivo ao investimento em sectores protegidos à concorrência externa – em 90s e 2000s, «os preços dos bens não-transaccionaveis subiram cerca de 50 vezes mais do que os dos bens transacionáveis», referiu. Há ainda a considerar o aumento do ritmo da globalização, o Euro internacionalmente muito valorizado e o alargamento a Leste como factores que ajudaram ao colapso económico do país.
Os “mercados” demoraram a perceber que o país teria cada vez mais dificuldade para solver os seus compromissos. Até então, por pertencer à UE, o país foi “autorizado” a acumular défices sem perpectiva de os anular, com financiamento facilitado. Mas em 2010, agravada pela crise sistémica de outros países europeus, os credores externos começaram a “secar” o financiamento e Portugal teve de pedir assistência financeira externa.
A razão principal para este atraso foi a adesão à moeda única europeia em 2001.
Desta forma, JFA procurou explicar que, não obstante a crise internacional iniciada em 2008 pelo subprime americano, Portugal teria mais cedo ou mais tarde a sua própria crise, economicamente alicerçada.


    2.   Ajuda da troika
Numa segunda fase, o catedrático fez a sua análise ao programa de ajustamento financeiro da troika.
Segundo ele, o programa não está a dar, nem dará, frutos porque a sua concepção não foi virada para «ir à raiz do problema» (acima descrito). Além do mais, não foram claramente delineados os objectivos da assistência: corrigir o défice orçamental, défice externo, crescimento económico, ou regresso aos “mercados”.
O docente considera que o programa deveria ter sido direccionado para incentivar o investimento na indústria produtiva e a procura interna (investimento actual abaixo do que era há 6 anos - ver gráfico abaixo) e criar as condições estruturais para Portugal crescer no pós-troika – JFA lembrou o plano Marshall da segunda metade do séc. XX, orientado para o investimento nos sectores expostos à concorrência internacional e às infra-estruturas da Europa. «É necessário um crescimento mínimo para o Estado cumprir com as funções sociais» (para além de que os encargos com Saúde e Segurança Social tendem a subir).
Fonte: INE

Prosseguiu: «O memorando de entendimento pretende atingir dois objectivos conflituantes entre si»: correcção do défice público e da balança externa. «Só é possível reduzir o défice externo (importações), retraindo a procura interna» (confirmar no gráfico abaixo), o que significa recessão, originando quebra nas receitas fiscais, comprometendo as finanças públicas. As duas metas apenas poderiam ser alcançadas com um programa mais extenso no tempo.
Relação entre procura interna total e importações, variação anual; fonte: INE

Futuro e demografia
O orador perspectivou o futuro: continuada queda nas importações pela redução da actividade económica, défice público incorrigível, aumento de impostos, desemprego cada vez maior (a não ser que compensado pela emigração). «O programa arrisca-se a prolongar indefinidamente no tempo, com ou sem regresso aos “mercados”», rematou.
Aliás, o economista expressou a sua preocupação com o problema demográfico. A juntar-se ao nível crescente de emigração que se verifica hoje, soma-se o envelhecimento geral da população. A situação de hoje em pouco se pode comparar aos fenómenos emigratórios do séc. XX: a população emigrante dessa altura era muito jovem, mas a que cá ficou continuou muito nova porque a natalidade era elevada e as pessoas viviam menos. Hoje em dia, o rácio de dependência de idosos é muito alto e, a prosseguir este ritmo, Portugal perderá cerca de 1 milhão da sua população activa nos próximos 10 anos, tornando insustentável a segurança social.
Portanto, «a assistência, não só não está a resolver problema nenhum, como está a agravar problemas já existentes e a criar outros, como o do desemprego».


     3.   Alternativas
Na terceira parte, o economista considerou existirem três alternativas à situação actual: a) prolongamento da assistência vigente, b) perdão significativo da dívida, c) saída do Euro.
JFA não se debruçou sobre as duas primeiras: Julgou claro porque não considera a primeira uma boa opção. Quanto à segunda, apelou à história para dizer que «os perdões de dívida nunca são grátis, fazem-se “pagar” no futuro e não resolvem a questão estrutural da economia».

Apoio das instâncias europeias
Para sair da zona Euro, o país «tem de ser apoiado pelas autoridades comunitárias». Elas próprias «têm interesse» na nossa saída, porque ficam sem um foco de desestabilização (que reclama subsídios, financiamento, perdões, etc.). E, por outro lado, há condições para Portugal retomar o rápido crescimento económico, se tiver um impulso (dispõe de infra-estruturas e mão-de-obra mais qualificada). O Tratado de Lisboa introduziu uma cláusula que dá aos países o direito de secessão da UE, o que por analogia lhes confere o mesmo direito em relação à zona monetária, disse.

Custos da saída e soluções
Ao sair do Euro, alguns extractos sociais poderão ser afectados, e alguns produtos alimentares e medicamentos ficarão mais caros (pouco significativos na dimensão), tornando necessário programas públicos que compensem os afectados.
Mas, só há um caminho para Portugal ser competitivo: desvalorização da moeda própria, reorientação da estrutura produtiva para sectores exportadores, reactivação do imobiliário (mais atractivo para estrangeiros) e aposta nas energias renováveis. (ver mais)
Quanto à desvalorização da moeda, JFA esclareceu que um país como o nosso tem todo o interesse em ter uma moeda fraca porque não se considera competitivo, e mesmo países desenvolvidos recorrem frequentemente a desvalorizações – eg: em 2010, a Suécia desvalorizou a sua moeda 20%.
A dívida pública deve ser mantida em Euros, recorrendo a excedentes externos e emissões monetárias para anular o efeito do câmbio. Segundo ele, o rácio que melhor traduz a capacidade de um país pagar o que deve é o que relaciona o volume da dívida com a capacidade de obter fundos externos (pelas exportações).
Em relação aos depósitos, o economista recordou o caso Chipre para dizer que estar na zona Euro não é garante da salvaguarda das aplicações. Apesar disso, reconheceu que os depositantes possam sair afectados com a mudança de moeda, mas propôs que o Estado compense as famílias e empresas na proporção da desvalorização cambial nas dívidas aos bancos (financiado por emissão monetária). Sob acordo com os credores europeus, propôs que as aplicações dos bancos continuem denominadas em Euros para evitar imparidades.
Já a dependência energética contraria-se com a aposta nas renováveis. Hoje, estas estão muito dependentes da subsidiação/descontos fiscais, porque se apresentam comparativamente mais caras face ao petróleo. Com a adopção de moeda própria, a energia importada fica relativamente mais cara e as renováveis mais competitivas, reduzindo a necessidade de ajuda do Estado para serem introduzidas no mercado.
Quanto à questão agrícola e a dependência alimentar que o país tem, JFA clarificou que o principal factor de atracção pela produção nacional (consumo e fomento) é a competitividade pelo preço. O que só pode ser alcançado com desvalorização cambial, que reduza os bens importados.
Ao fim de um ano/ano e meio, já se notariam resultados na reorientação da estrutura produtiva. Mas em menos de 15 anos não se crê que o ajustamento esteja completo.
Todavia, reconheceu inevitável uma inflação elevada, mas esclareceu que a história do país mostra que inflações de 30% são «suportáveis» (anos 70/80).

O que nos impede de sair
Para o universitário, existem interesses por de trás da permanência na zona Euro. As últimas décadas têm sido marcadas pela “ditadura dos mercados”, que reduziram a economia à sua vertente financeira, esquecendo a sua parte “real”. «Os interesses ligados ao mundo financeiro são poderosíssimos, e as orientações políticas internacionais [o G20] são dominadas pela agenda da finança».

Ferreira do Amaral julga demasiado óbvia a origem dos nossos problemas estruturais. Acha incompreensível que os economistas em geral alinhem no discurso de que sair do Euro seria uma catástrofe, tendo tentado demonstrar ao longo da palestra que algumas afirmações feitas acerca das consequências da saída do Euro não passam de mentiras, servindo apenas para proteger interesses instalados.

Feito o retrato do que foi debatido na sessão, julgo o assunto muito pertinente, que deve ser discutido.
Contudo, num próximo post, não deixarei de pôr a nu algumas deficiências na desta análise e considerações adicionais, não querendo com isso sub-estimar o contributo de JFA para esta discussão.
Aguardemos então.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

As Armadilhas de Liquidez

Tenho muito a concordar com o que o José Gusmão escreveu neste artigo, e tanto ou mais a discordar com o que ele escreve no mesmo artigo.

Já em 2008, quando o Krugman e outros começaram a apelidar da actual situação de uma armadilha de liquidez, começou a discussão sobre «o que é uma armadilha da liquidez?» e esse tema tem surgido algo esporadicamente até hoje.

A definição que o Gusmão apresenta é esta:
«O termo Armadilha de Liquidez aplica-se a uma economia em que a Política Monetária perdeu eficácia, porque os investidores preferem manter liquidez, seja porque esperam deflação ou inflação muito baixa, seja por considerarem que a procura agregada é insuficiente. Em português simples, os agentes preferem guardar o seu dinheiro a emprestá-lo ou investi-lo por considerarem a conjuntura desfavorável.»
Se há consenso sobre a armadilha de liquidez é que o seu aspecto central reside na ineficácia da política monetária. É assim que o Krugman define armadilha de liquidez, é assim que o Gusmão a apresenta. Contudo, o modo como a armadilha da liquidez opera já difere entre o Krugman e o Gusmão.

O negrito na citação é de minha autoria e serve para chamar a atenção para aquela que é a definição típica de Keynes de armadilha de liquidez antes de 2008: os agentes dão grande preferência à liquidez, pelo que eles absorvem toda a oferta de moeda - a procura de moeda aumenta a par da oferta, pelo que a taxa de juro fica presa num patamar positivo, a política monetária não é capaz de a diminuir e portanto esta torna-se ineficaz. Para o Krugman, traduz-se na exaustão da política monetária convencional, ou seja, a política monetária (convencional) torna-se ineficaz, porque atinge o seu limite - the zero lower bound -, ou seja, a taxa directora fica a 0%.

Ora, na definição de Keynes, os agentes querem guardar uma enorme (só para não dizer infinita) quantidade de moeda com eles. Se olharmos para os dados, vemos que a poupança privada tem aumentado nos últimos anos, o que parece confirmá-lo:

Portugal (fonte: BdP)
As famílias e as empresas, como desejam guardar mais dinheiro consigo, para pouparem mais. Vemos no gráfico a poupança das famílias (S Fam) e das empresas (S Emp) a aumentar desde 2008. O que se enquadra na ideia geral do "queremos guardar dinheiro".

Estados Unidos da América (fonte: FRED)
Os mesmos dados, mas para os Estados Unidos. Vemos o sector empresarial (não financeiro) dos Estados Unidos a passar de uma posição devedora para aforradora, o mesmo que o sector empresarial português deseja. Contudo, o trajecto da poupança das famílias não é exactamente o mesmo; não há como negar que subiu a seguir ao estalar da crise em 2008, mas desde então serpenteia por entre 2 e 4%.

Mostro estes dois gráficos para mostrar que há uma diferença entre as duas armadilhas de liquidez, que faz diferença o modo como a história é contada, que é importante compreender o que está a acontecer para guiar a política económica pelo melhor caminho.

Com o Krugman, o que temos é uma falha de parte do Banco Central em fixar a taxa de juro de equilíbrio, porque esta é negativa. Consequentemente, temos uma procura agregada inferior ao produto potencial, e daqui desenvolvem-se dois grandes problemas: i) desemprego, ii) menos e menores oportunidades de investimento. Nada diz sobre o desejo de guardar moeda.

Neste cenário, as famílias tendem a poupar mais, para acumular activos financeiros, para fazerem face à possibilidade de caírem no desemprego. Naturalmente, quanto maior a taxa de desemprego, maior esse receio, e por isso há mais famílias a poupar e a poupar mais. As empresas, por seu turno, como não têm muitas oportunidades de investimento, contraem menos crédito, e talvez, decidem repagar os empréstimos que já têm contraídos em vez de renová-los, daí vermos o aumento da sua poupança.

Tendo isto em mente, o facto de as injecções de liquidez de um banco central no sistema financeiro não se materializarem num aumento da oferta de moeda, não é portanto um resultado dos bancos pedirem margens proibitivas no crédito, mas sim porque as famílias e as empresas não desejam mais crédito.

Aliás, numa armadilha de liquidez as taxas de juro dos créditos às empresas tendem, como é óbvio, a tender para 0, como se pode ver no gráfico seguinte:



O que o Gusmão devia estar a pensar era no caso do português e grego. Mas nesses casos, há outras explicações para haver spreads tão elevados, nomeadamente o risco inerente a esses países e as restrições de capital, e essas não envolvem armadilha de liquidez.

Portanto, esta afirmação:
«Em resultado disso, assistimos a níveis baixos de crédito a empresas não-financeiras e famílias, apesar de uma política monetária expansionista. Os bancos financiam-se mais barato mas exigem margens proibitivas no crédito.»
É falsa. Não digo que taxas de juro mais elevadas não prejudiquem a economia - é óbvio que prejudicam -, mas essas "taxas proibitivas" não são fruto da armadilha de liquidez.

Para terminar, este último comentário do Gusmão:
«E forneço uma previsão, quantificada: o impacto de mais esta redução das taxas de referência do BCE na economia real, em contexto de políticas generalizadas de contenção orçamental será de... zero. Vírgula zero»
O impacto desta medida é quase nulo, mas é particularmente benéfica para Portugal. No nosso caso, as famílias estão mais endividadas do que noutros países europeus - devido à compra de habitação, cujo crédito está indexado à EURIBOR -, e daí o impacto será sentido com mais força cá, do que noutros países.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Desmistificando as "Swaps"

Muito se tem discutido a questão dos Swaps das empresas públicas. A meu ver, esta história ainda vai fazer correr muita tinta e vamos ouvir falar nestes contratos por algum tempo. Por este motivo, aqueles que vêm em busca de uma grande explicação do que correu mal e de quem são os culpados desenganem-se, ainda é muito cedo para apurar culpas (utilizando apenas a informação pública, como é óbvio). Assim, comprometo-me com esta publicação a atingir 4 objectivos: (1) esclarecer um pouco mais o que são estes contratos, quais os riscos envolvidos e como podem ser utilizados; (2) enumerar alguns factos relevantes já divulgados; (3) acrescentar alguns dados que deveriam ter sido revelados mas que foram omitidos (porque não ajudavam a vender jornais e a fazer capas chocantes); (4) deixar algumas questões (por enquanto retóricas) que ainda faltam ser respondidas de modo a clarificar todo este caso.

Por se tratar de um tópico algo técnico e quiçá confuso, abrirei os comentários para esclarecer qualquer dúvida que fique. Para quem queira ler outra opinião, fica um artigo de Miguel Pimentel no Público que me parece bastante elucidativo, embora algo extenso.


(1) Swaps?
Resumidamente, um contrato Swap não é mais que uma troca de fluxos financeiros. Se associado a taxas de juro (mais convencional), trata-se da troca de uma taxa variável (indexada a uma qualquer Euribor) por uma taxa fixa (acordada com a terceira parte). No entanto, podem também contratar-se Swap de taxas de câmbio (troca de fluxos em moedas diferentes), de matérias primas (trocando a cotação de mercado por uma cotação fixa acordada entre as partes), entre outros, bem como incluir opções no contrato acerca de variáveis terceiras.
Como é que eu ganho com o Swap? Se a taxa variável subir, onde consigo uma poupança com a fixação da taxa e onde a contraparte tem o custo (de oportunidade) de receber a taxa fixa (de valor mais baixo). Do mesmo modo, se a taxa variável cair, a parte que paga a taxa fixa (neste caso eu) terá o custo de oportunidade e a contraparte o ganho.
Como dizia João Duque numa aula esta passada segunda-feira: "Exotics can be toxic, but also plain vanilla can", ou seja, não é necessário um contrato ser exótico (de maior risco) para ser problemático.

Exemplificando um "plain vanilla":
Se eu tenho um empréstimo de taxa variável (indexado, digamos, à Euribor 6M) e entendo que corro o risco de as taxas de juro subirem, posso realizar um Swap, em que troco a minha taxa variável por uma fixa, por um determinado período de tempo. O que acontece aqui é uma fixação das prestações do empréstimo, visto receber a taxa variável (para cobrir a prestação do empréstimo) e pagar a taxa fixa (como contrapartida do Swap). Se a Euribor 6M cair, a minha prestação (do empréstimo) vai cair, bem como o fluxo recebido do Swap. Como a taxa fixa (do Swap) se mantém inalterada, incorro num custo de oportunidade (perda potencial) de incorrer no Swap.

A questão é que os contratos assinados não ficaram por aqui... Segundo a análise do IGCP, existem diversos problemas com os contratos vigentes, nomeadamente:
b) Opacidade: a estrutura de alguns contratos assentava em índices criados pelos bancos, sem qualquer relação directa com activos ou mercados financeiros.
c) Alavancagem: muitos dos contratos teriam o problema de serem mais longos que os créditos que visavam cobrir, o que abria uma margem temporal para riscos adicionais.
d) Valor inicial: alguns contratos teriam valores iniciais sobre-avaliados, o que também poderia aumentar o potencial para perdas.


(2) Factos
Seguem-se alguns factos noticiados acerca deste caso que se perfilam relevantes.
a) Falam-se em perdas potencias de quase 3.000 milhões de euros. O que acontece é, que são estas perdas? [Resposta abaixo - (3)a)]
b) O Estado já reduziu as perdas em 500 milhões de euros (170 milhões em juros). Esta diminuição foi alcançada com base na renegociação de 14 contratos.
c) Dos contratos que faltam renegociar, os do Santander e JP Morgan acumulam perdas potenciais de 1700 milhões de euros.
d) Afinal o IGCP só reconhece 205 milhões de poupanças... Veremos quem tem razão!


(3) Factos Omissos
Muitas vezes, o maior problema de estarmos em Portugal (digo eu, talvez no resto do mundo seja igual) é a comunicação social apenas contar o lado da história que vende jornais e dá visualizações nos sites (mais ou menos como na política). A vantagem da blogosfera é que há sempre alguém que conhece o outro lado, neste caso espero ser eu (não só, mas também). Assim, segue-se aquilo que os media não explicaram:

a) As perdas potenciais de que tanto se fala não passam do custo de oportunidade de incorrer no Swap. Já os 3.000 milhões não são mais que o valor presente de todos estes custos de oportunidade, já que os contratos de Swap se mantêm vigentes até aos inícios da década de 2020 (2026 no caso da Refer, por exemplo).
b) Os contratos foram assinados, na sua maioria, em torno dos anos de 2006-08. O que é que isto significa? Que as taxas de juro rondavam os 4-5% no caso da Euribor 3M e 5-6% no caso da Euribor 12M. Deste modo, é perfeitamente aceitável a assinatura dos contratos de Swap para cobertura de risco, já que até à falência do Lehman Brothers se esperava uma subida das taxas de juro.


(4) Questões por responder
De tudo o exposto anteriormente, ficam-me algumas "pulgas atrás da orelha"...
a) As cláusulas "exóticas" foram assinadas por vontade dos gestores (que acharam que percebiam de mercados e produtos financeiros) ou por imposição da banca (tentando ludibriar as empresas com cláusulas que os gestores desconheciam)?
(Resposta provável: os dois!)
b) Porque é que os contratos não foram revistos com a descida das taxas de juro? Os gestores não quiseram ou os bancos não deixaram?
(Resposta provável: os dois!)
c) Como foi feita a renegociação? Baixou-se a taxa fixa, reduziram-se as maturidades, ambos, ou resolveram-se os contratos?



Em jeito de conclusão, acrescentar apenas que (como já referi acima) este tema ainda vai dar que falar, pelo que voltarei a ele caso faça sentido, o que me parece bastante provável.


sábado, 4 de maio de 2013

Consensualmente inútil



Nas últimas semanas, a crítica e a retórica têm-se ocupado do "consenso", sem se perceber ao certo a razão/necessidade para tal entendimento, diria, os benefícios que isso possa trazer, e que diferença isso significaria em relação ao que temos hoje.
 
Portugal do avesso

Para mim as coisas estão bastante claras.
  1. Em 2011, o Presidente da República (recém-reeleito) decidiu mostrar que ainda servia para alguma coisa e mandou as gentes de Sócrates (incluindo o próprio) irem dar uma curva.
  2. Antes de dar à sola, num dos raros serviços bem-feitos à Nação, o Teixeira impôs ao “engenheiro de crises” o pedido de assistência externa, antes da habitual campanha do passa-culpas.
  3. O governo Passos-Portas foi então eleito com maioria parlamentar, suportada por 2 partidos: um cacique e um bailarino.
  4. O PS levou uma tareia eleitoral, de tal ordem que relegou uma parte do seu comando para o estrangeiro, e a outra parte para o 5º anel do parlamento.
  5. A militância socialista, no abandono do chefe-mor, escolheu um "pastel" para a "liderar": um senhor que queria "trazer os afectos para a política", sem passado, que seria ninguém fora da política (como tantos outros), abaixo de zero intelectual, cultural, linguisticamente.
  6. Já mais ultimamente, o Zé francês saiu da sombra e da sua desvergonha, e anda agora a palpitar por tudo o que é canto. 
  7. O Costa, que também sabe-a toda, anda-se a passear. Ainda ameaçou qualquer coisinha para consumo interno, mas depois deixou-se estar quieto: deixar o Seguro construir a casa onde ele irá morar daqui a um par de anos tem muito mais piada. E a Câmara de Lisboa até nem é má de todo.
  8. Com isto o “zero à esquerda” assustou-se e começou a dar corda aos sapatos, censurando tudo o que lhe apareceu à frente, e renasceu cheio de programas, nomes e alternativas (diz ele).
  9. Enquanto isso, o Vítor das folhas de cálculo (dizem que percebe imenso daquilo...) conseguiu a extensão das maturidades no pagamento da generosidade estrangeira, premiando a sua mais que intangível imaginação para subir impostos.
  10. Já o Álvaro dos "natas", na sua última chance para fazer alguma coisa antes de ser mandado borda fora (pelo CDS, desejoso de lhe roubar a pasta), saiu dos escombros. Anda por aí com a "estratégia para o crescimento", "reindustrializar Portugal", cheio de coisas requentadas do acordo tripartido do último ano.
  11. No meio de tanto entretenimento, há um entendimento que parece nem existir para muitos. Acordo tal, que vale uma generosa conta em dezenas de milhar de milhão de Euros, e (muita) perda de soberania, assinado em primeiro pelo partido mais-que-entretido, e promovido pela falência nacional na acumulação de crimes orçamentais, “visões ideológicas”, a mais proeminente delas a do betão e do aço, da propaganda médica socratista.
  12. Já o Tribunal Constitucional, hermeticamente fechado às circunstâncias de excepção em que nos enfiámos, e amante desta sugação fiscal, riscou a eito 1,3 mil milhões de Euros do plano orçamental das Finanças. O Gaspar, num ataque de histeria e represália, paralisou todas as despesas dos ministérios. Parece que já se acalmou, atirou para a frente cortes mais duradouros.
  13. O nosso PR, como bom velho do Restelo, entalado entre o TC e o governo, veio desancar no Seguro, no seu longo bocejo na festarola dos cravos, forçando o tal “consenso”. Quer evitar, a todo o custo, que o menino lhe caiano colo. 


Então, no meio de tanto foguetório, querem consenso para quê? Em quê?
  • Revisão constitucional, ninguém a põe: os preceitos são sagrados, embora todos os violem e achem (quando lhes convém) que estão desadequados aos tempos de hoje.
  • A educação está bem e recomenda-se: nunca foi grande preocupação para os entretidos, muito menos para as festividades socialistas que sempre acharam que o assunto era a "Alice no país das maravilhas" (ou, a haver problema, ele resolve-se com electrónica “barata”…).
  • Na saúde ninguém mexe: o "pai" do SNS não deixa. Os médicos podem continuar a receber em horas extraordinárias pelo que é seu dever no horário normal; médicos e enfermeiros podem continuar a trabalhar meio dia, recebendo como se exercessem o dia inteiro, acumulando assim com consultórios privados, etc. – não há problema!
  • A justiça dá jeito que não funcione: assim, honestos cidadãos como o Sócrates, o Relvas deslicenciado, o Vara, o Dias Loureiro, o Valentim autárquico também Loureiro, o Salgado banqueiro, o Godinho sucateiro que é um amigalhaço porque até oferece robalos, o Pedroso da casa de Elvas, ou o Rodrigues dos gravadores (e também das casas açorianas) podem estar descansados.
  • A reforma do Estado, a custo, lá terá de ser agora, mas ninguém lhe apetece ficar associado a mandar para o galheiro uns bons milhares de servidores públicos. Mas as assessorias e as chefias empresariais públicas continuam à caça de talentos ex-autárquicos e governamentais – há que renovar os quadros!
  • E o sistema eleitoral está vigoroso, na promoção da meritocracia e participação cívica.

O que se depreende daqui? O sistema sem uma valente volta é consensualmente inútil.

PS: Nota para a crónica de Vasco Pulido Valente no Público, hoje mesmo (4 de Maio), sobre assunto relacionado.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O impacto do salário mínimo - Parte III

Parte II

Num artigo anterior critiquei a visão mais neoclássica sobre o impacto do salário mínimo. Neste irei apresentar a visão keynesiana sobre o assunto com mais cuidado.

Recapitulando a minha crítica à visão neoclássica: sim, o aumento do salário mínimo tem efeitos distorcedores, mas não é verdade que esses efeitos traduzam-se inexoravelmente no aumento do desemprego. Na verdade, as empresas têm vários meios de lidar com o aumento do salário mínimo.

Adiante. O Alexandreu Abreu responde à oposição de Cosme Vieira de outro modo: ao aumentar o salário estamos a desviar rendimentos da empresa para os trabalhadores, tendo estes últimos uma propensão marginal a consumir maior, a procura de bens e serviços aumenta, o que contraria a tendência para diminuir a procura de trabalho (mão-de-obra).

Para melhor explicar este efeito pensem no seguinte caso: uma pessoa, o Zé, que ganha 500€/mês, e paga o telefone, a casa, a água e a luz, e juntamente com comida e outras despesas mais pontuais (vestuário, escola...), e chegado o final do mês não conseguiu poupar. Ou seja, o consumo do Zé foi de 500€ e a poupança de 0€.

Pensemos agora noutra pessoa, o Manel, que ganha 5 000€. Tem as mesmas necessidades básicas que uma pessoa que ganha 500€, mas como ganha mais, deve saciar essas necessidades com bens de maior qualidade e aproveitar para saciar outras necessidades, pelo que gasta mais. Mas, ainda é assim, é capaz e deseja  poupar. Imaginemos que consumo do Manel cifra-se nos 4 000€ e a poupança nos 1 000€.

Neste nosso esquema mental com o Zé e o Manel, a procura agregada é dada pela soma do consumo do Zé e do Manel, que é de 4500€. Agora, o que o Alexandre Abreu sugere é transferir rendimentos do Manel (que na realidade corresponderia a uma empresa) para o Zé.

Vamos dizer que o Manel "dá" 500€ ao Zé. Por consequência, o consumo do Manel diminui para, digamos, 3750€ e a sua poupança desce para 750€; por outro lado, o consumo do Zé sobe para 950€ e a sua poupança aumenta para 50€. Neste caso, a procura agregada aumenta de 4500€ para 4700€.

Como a procura agregada aumenta, a produção aumenta, e para a produção aumentar o desemprego diminui. É este o raciocínio do Alexandre Abreu.


Ora, o Cosme Vieira rejeita este raciocínio com um argumento semelhante à treasury view. Há que reparar que o consumo não é o único componente da procura agregada e temos que considerar em particular o investimento. E ao desviar rendimento das empresas para o consumo, então estamos a reduzir as suas capacidade de investimento.

Para mostrar este ponto vamos voltar ao Zé e ao Manel. No início, tínhamos que o consumo dos dois era de 4 500€ e a poupança de 1 000€. Após o aumento do salário, temos que o consumo passa para 4 700€ e a poupança para 800€. Agora, basta perceber que o investimento é financiado pela poupança, pelo que Poupança = Investimento. Tendo em conta que a procura agregada é definida (neste caso) como

Y = C + I

Vemos que a produção não aumentou de caso para o outro, mas continuo nos 5 000€. Nada mais fizemos que transferir rendimento de um lado para o outro, sem que isso diminua o desemprego.


Bem, isto não é inteiramente verdade. Para compreender onde jaz a diferença, tomemos em conta este esquema:
Como é fácil de entender o produto (PIB) desta economia é de 100 unidades. Temos um consumo de 50, um investimento de 50 que dá 100. O rendimento do trabalho é 50, o rendimento do capital é 50, que dá 100. Se alguém estivera a pensar porque estão ali os bancos, é para mostrar que estão ali para canalizar as poupanças para o investimento.

Vamos ver o que acontece se aumentar a fatia dos salários?
Como já seria de esperar, o produto desta economia é de 100 unidades, pelo que não seria de esperar uma diminuição do desemprego por aumentar os salários. A diferença reside na composição do produto agora.

Onde está o erro no raciocínio do Cosme Vieira, então? Acontece que em períodos de depressão não temos S = I, mas mais provável do que não temos S > I - a poupança é superior ao investimento. Vamos ver o que acontece:

Então, o produto desce de 100 para de 75 (C+I) unidades, pelo que estamos perante uma recessão. Perguntam o que aconteceu às outras 25 unidades? Simplesmente não foram empregues. São dinheiro "parado". É normal, durante uma recessão não há muitas boas oportunidades de investimento, portanto o investimento diminui e com isso o crédito.

Agora, o que acontecerá se os salários aumentaram?
Ora, ora! O produto subiu de 75 para 85 (C=60+I=25) unidades, porque os salários aumentaram!  Reparem que o aconteceu aqui foi uma transferência dos capitalistas para os trabalhadores. O problema é que a poupança dos capitalistas não estava a ser aplicada, e essa poupança foi desviada a priori para aqueles que empregam o dinheiro.

Nos casos anteriores, a transferência de rendimento para os trabalhadores não afectava o produto, porque no pleno emprego não há recursos desempregados, pelo que a poupança (tende) é igual ao investimento.

Como Portugal está de facto numa recessão, só para não dizer depressão, o aumento dos salários reais realmente iria aumentar a procura agregada e portanto diminuir o desemprego - pelo menos nesta análise.

Há um possível problema que não pode ser ignorado sobre esta medida. Vou deixar isso para a próxima parte desta série.