O que ensina o latim...

"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Miro esta política

É em tudo surreal, esta polémica da colecção de quadros de Joan Miró.
Em primeiro lugar, a venda da colecção resulta da nacionalização do BPN, que a detinha como património. Posteriormente à privatização aos angolanos do BIC, o governo criou duas empresas para gerirem (e liquidarem) o património do banco, de modo a desonerar os contribuintes portugueses e a tapar, dentro do possível, os 8,5 mil milhões de Euros que o Estado já enfiou no maior escândalo financeiro que há memória em Portugal.
Acontece que a oposição decidiu interpor uma providência cautelar para travar a alienação das obras em leilão internacional. (Agora virou moda os tribunais bloquearem decisões estritamente políticas – aprecio esta tripartição dos poderes públicos!) Depois, o tribunal que analisou a providência, indeferindo-a, já que a entidade pública contra a qual aquela se dirigia estava não era tida nem achada, apesar de a expedição da colecção ter sido, por seu lado, procedida ilegalmente. Ou seja, uma trapalhada pegada.


Sempre tive a ideia de que o pessoal da Cultura vive no mundo da Lua. Artistas! Nunca conseguiram, nem conseguirão, perceber que a realidade do país é outra, o tempo da subsídio-dependência acabou e que, mal ou bem, a “política cultural” perdeu prioridade para as finanças públicas. Não há dinheiro, não há vícios!
O Partido Socialista, por seu turno, juntou-se a esta tropa que acha que 36 milhões de Euros não são nada no meio de 8,5 mil milhões; que o país não se pode desfazer assim de um “importante acervo internacional” e que aquele poderia ser um atractivo para o “turismo cultural”; blá, blá, blá…
É verdade que 36 milhões no meio de 8 mil milhões representam pouco. Mas um oceano faz-se de muitas gotas e, se fosse assim tão fácil arranjar vários “36 milhões”, o país não estaria sob assistência financeira externa. Aliás, foi exactamente esta postura que nos conduziu à falência enquanto nação: faz-se primeiro, depois logo se vê como se paga! O esplendor da política socialista: como escreveu João Miguel Tavares na edição do Público de 6/2, “de buraco em buraco até à cratera final”.
Acho inacreditável a quantidade de espertos-oportunistas que vieram a público mandar bitaites sobre o assunto (como Marques Mendes), dizendo que este governo não tem qualquer sensibilidade cultural em despachar a colecção desta maneira e coisas assim. Muitos deles estão provavelmente a ouvir falar de Miró pela primeira vez! (Lembrei-me, a este propósito, da profunda admiração que Santana Lopes nutria, ao tempo secretário-de-estado da cultural de Cavaco, pelos “concertos para violino de Chopin”…)
A cultura não está certamente no topo da agenda deste governo (que nem ministério tem para ela), mas, caramba, pagar salários e pensões (os dedos) continua a ser mais importante do que comprar ou manter colecções  internacionais (os anéis)!
E, depois, os que pensam que hordas de espanhóis viriam a Lisboa para ver a colecção do catalão, quando eles próprios têm “Mirós” aos pontapés…
Ou, quem sabe, poderíamos até alojar esta fantástica colecção num museu do interior do país, que depressa atrairia o povo do litoral, contribuindo assim para combater a desertificação das zonas rurais…
Tenham juízo!


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Serviço qualquer coisa

Li com algum interesse a notícia publicada no jornal Público, segundo a qual o Partido Socialista propõe que uma entidade pública, qualquer que seja a sua natureza, fique impedida de deter participações em órgãos de comunicação social. As entidades públicas donas de jornais e revistas terão de se desfazer delas no espaço de 6 meses, ou mudar o perfil editorial daqueles para um estilo “doutrinário ou institucional”.
A excepção feita nesta proposta de lei é a RTP e a agência Lusa, porque, segundo o projecto de lei, se enquadram numa concessão.


Visto assim, o objectivo é tramar o governo regional da Madeira, e o seu presidente Jardim, que detém um jornal despudoradamente propagandístico. É muito mau sinal quando uma lei se funda numa situação conjuntural para ser criada. Ainda para mais, o tal governo de Jardim está decrépito e os sinais que vêm do arquipélago apontam para que este seja mesmo o último mandato daquele tipo de governação populista-despesista.
Mas concordo com o princípio. Nunca percebi porque tem o Estado de ter, numa democracia, órgãos de comunicação social, para anunciar o “bem” que o regime vai fazendo…
Mas mais, se isto se aplica a jornais e revistas, por que diabo se há-de aceitar que o Estado tenha uma televisão pública, agravada pelo facto de ser financiada forte e feio por subvenções públicas e pela “taxa do audiovisual”? Fará sentido continuar a alimentar a barriga do Malato e do Fernando Mendes? Haverá mesmo vantagem no “serviço público” que aquela presta? Não custa demasiado caro esta brincadeira, num país sem dinheiro? E os privados, não farão o mesmo, senão “melhor”, “serviço público” do que a RTP1? Na “informação”, no “entretenimento”, no “comentário político”, no debate futebolístico…?
Por outro lado, por se tratar de um sector muito específico e com grande impacto na maneira de pensar e funcionar da sociedade, seria importante que a legislação apertasse e tornasse mais transparente a propriedade dos órgãos de comunicação privados (como parece que a oposição terá tentado, em 2012 – tal como também vem na notícia). Principalmente, quando à mistura se metem dinheiros públicos de outros Estados (“privados”, portanto), como o angolano é um dos exemplos…

Só mais uma nota: num estilo “doutrinário ou institucional” também se pode fazer muita propaganda… Basta definir a doutrina que dá mais jeito!