Por muito que uns cantem vitória
nas últimas eleições autárquicas (e que o papagueiem até à exaustão), a verdade
é que o escrutínio revelou um pano de fundo de conclusões bem diferente desta
euforia desbragada.
Factos indesmentíveis: a subida
considerável da abstenção (mesmo desconsiderando o fluxo emigratório registado
desde 2009), o impulso (para o dobro) dos votos brancos e nulos (coisa a que
nunca ninguém liga mas que, se fossem a eleições legislativas, já tinham mais
deputados do que o Bloco de Esquerda) e a força dos independentes (uns mais
independentes que outros, mas juntos ganharam 12 câmaras - mais do dobro das do
CDS e um terço das do PC).
A AR discutiu no passado dia 2/10,
em sessão plenária, o resultado das eleições. Tive a infeliz ideia de assistir
a tal "debate", porque fiquei a perceber exactamente porque há tanta
gente que se alheia de escolher os seus representantes. As sessões no
parlamento são um passeio pela hipocrisia e pela vaidade. E nós, espertos, continuamos
a pagar para os digníssimos representantes nacionais fazerem de comentadores
domingueiros. Pasme-se que a única referência razoavelmente inteligente e
construtiva sobre tamanho descontentamento popular (com atenção para os brancos
e nulos) teve de partir do bloquista Pedro Filipe Soares. O resto foi uma perda
de tempo (os discursos do Zorrinho chegam mesmo a irritar).
O PS diz que teve uma "vitória
histórica" (e disse-o várias vezes). Contudo se estas fossem eleições
legislativas, com 36% de votos, tinham de formar governo sei lá com quem,
porque sozinhos não iam lá. A vitória foi tanta e tão expressiva que perderam,
pela primeira vez desde o 25/4, câmaras como Braga, Matosinhos e Guarda, e
deixaram fugir para o PC Loures, Évora e Beja, por exemplo. Que
glória sufocante!
Até António Costa ficou impressionado com a imponência da vitória de Seguro! |
O PSD levou um "chimbalau"
monumental. Perdeu, sozinho, quase metade das câmaras que tinha e o império de
Jardim na Madeira está a ir à viola. As prioridades das vísceras desse partido
estão tão claras que abdicaram de servir as populações para promoverem a malta
do Marco António Costa. Exemplos? Sintra, Gaia, Porto e Portalegre, só para
citar alguns.
O CDS, com o seu
"penta", ganhou câmaras tão grandes como Santana e Albergaria-a-Velha.
Quem ouviu Portas a declarar isto levou uma lição de mestria e propaganda
política.
O Bloco de Esquerda, com a sua
liderança repartida, desapareceu do mapa. Perdeu Salvaterra e só elegeu 7
vereadores no país inteiro (nem as figuronas João Semedo, Luís Fazenda e José
Soeiro conseguiram eleição para as maiores câmaras do país). É um partido de
facto inútil, indistinto dos outros.
E o Partido Comunista, que no
final de todas as eleições vocifera que as ganha, desta vez (à sua escala) ganhou
mesmo! Até o camarada Bernardino conseguiu recuperar Loures. Não deve tardar
até o tio Jerónimo lhe ceder o lugar.
Mas o mais relevante de tudo é
mesmo o surgimento dos independentes. A maioria deles não passa de dissidentes
que se candidataram contra candidatos do seu partido. E outros não conseguiram
ganhar as câmaras porque os candidatos do seu partido "roubaram" base
eleitoral, como foram flagrantes os casos de Sintra e Gaia (há gente, como o
prof. Marcelo, que vota no "seu" partido "de olhos
fechados" - é comovente tamanha fidelidade!). Fenómenos como os de Rui
Moreira são muito interessantes e trazem a sensação de que, ou os partidos
mudam por eles próprios (o que parece pouco provável), ou então esta moda veio
mesmo para ficar.
Ainda assim, há um entrave muito
difícil de ultrapassar para esta massa de gente que não gosta de votar "de
olhos fechados". Para as legislativas, apenas os partidos políticos podem
apresentar listas candidatas a sufrágio.
Antes das eleições, já a
politóloga Marina Costa-Lobo tinha
proposto que os partidos alterassem a lei eleitoral para permitir candidaturas
de cidadãos independentes à Assembleia, tal como acontece nas restantes
eleições. Proposta
refeita por Pacheco Pereira depois de conhecidos os resultados. Não sei com
que ideias está JPP, se anda numa intensa busca por um "abrigo
seguro", já que ele nunca está bem em lado nenhum, e aquela cabeça, de tão
complexa que é, anda ideologicamente baralhada (até no Congresso
"Democrático" das "Alternativas" já participou). Seja como
for, apoio a ideia.
Eu cá continuo "de olhos
fechados" fiel à independência. E estou cada vez mais acompanhado,
felizmente!
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