Uma das claras implicações da
última decisão do Tribunal Constitucional sobre normas do OE'14 prende-se com a
(falta de) separação de poderes, tão necessária em Democracia.
Por um lado, trata-se de perceber
até que ponto o TC, baseando-se em princípios gerais, ao decidir-se pela
inconstitucionalidade de normas de conteúdo marcadamente político, extravasa as
suas competências para as que apenas são da iniciativa do Governo (com ou sem
reserva legislativa absoluta na área).
Por outro, a reacção do Governo –
que, seja como for, é recordista em esbarrar no Palácio Ratom – suscita a
questão de saber se foi ou não apropriada e se introduz ou não uma
"pressão política insuportável" no poder judicial.
Quanto à primeira, tal como se
depreende do acima, creio que é inequívoca a intromissão do TC na esfera
executiva, nomeadamente, quanto à interpretação e uso do princípio da igualdade
no tratamento de funcionários públicos e privados.
Em primeiro lugar, porque a
fundamentação do acórdão (que muitos consideraram tecnicamente
muito fraco) se baseia em princípios (alicerce das Constituições do mundo
ocidental) que não estão cifrados em lado nenhum, isto é, dependem da
interpretação que cada um faz deles. Ora, dentro de um cenário tão amplo quanto
possível de razoabilidade, será legítimo um Tribunal afirmar que a
proporcionalidade ou a progressividade deveria ser de 10%, 20% ou 80%? Está
claro que não! E o TC tem-no feito, tacitamente, pelas normas que chumba.
Em segundo, ao declarar
sistematicamente inconstitucionais normas de cortes na despesa (salários,
subsídios e pensões pagos pelo Estado), o TC está automaticamente a “convidar”
o Governo a aumentar impostos (se não se tapa de um lado, tem de se tapar pelo
outro!). Tal
como já tinha aludido num texto anterior, a CRP perverte no sentido da “constitucionalidade”
do aumento sucessivo da carga fiscal (actualmente em níveis, esses sim,
insuportáveis!), por impedir que o Estado faça o seu ajustamento através do
corte na despesa pública. Esta lógica conduziu a Administração Pública para um
crescimento galopante, porque, em qualquer caso, a carga tributária compensa as
necessidades que essa "engorda" possa provocar.
Pergunta sumária de resposta
simples: não seria função e dever da AR e Governo construir o seu próprio modelo
de economia e sociedade (mais liberal ou mais intervencionista) e não do TC que
se funda em princípios dúbios da Constituição para justificar opções apenas
políticas?
Quanto à segunda questão, a reacção
do Governo à reprovação sucessiva daqueles juízes, ela teve tanto de compreensível
como de excessiva.
Por um lado, percebe-se a
dificuldade de governar sujeito a inúmeros constrangimentos financeiros e
políticos vindos de trás (memorando da troika,
falta de instrumentos de política económica e monetária, metas do Tratado
Orçamental, CRP, etc.), a que se soma um Tribunal Constitucional surdo e
alienado perante esses constrangimentos (criando inclusivamente dificuldades ao
Executivo que sairá das eleições legislativas do próximo ano) e incoerente
perante decisões pré-programa da troika.
Além do mais, não há, em Democracia, nenhuma instituição, nem decisão por si
tomada, que esteja a salvo de discórdia e debate na praça pública (veja-se, a
esse respeito, o que acontece nos EUA, onde as decisões do Supreme Court são
amplamente discutidas e os juízes escrutinados dos pés à cabeça pelo Senado
norte-americano antes de iniciarem funções).
Mas, por outro, a pulsão excessivamente partidária com que alguns
militantes do PSD reagiram a este desfecho é tão ridícula quanto inadmissível.
Em resumo, há uma falta gritante
de noção de separação de poderes em toda esta história. Tanto de um lado, como
do outro. Montesquieu seria bem capaz de explicar porquê...
«Nenhum critério densificador do significado gradativo de tal diminuição quantitativa de dotação e da sua relação causal com o início do procedimento de requalificação no concreto e específico órgão ou serviço resulta da previsão legal, o que abre caminho evidente à imotivação» (by Tribunal Constitucional, Maio de 2014)
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