Antes de começar, esclareço desde já que esta publicação nada tem a ver com a coroação do Rei Filipe VI de Espanha ou com o caso da dívida soberana Espanhola (em particular), mas sim com aquilo que me parece ser a solução mais inteligente proposta até hoje para a crise das dívidas soberanas europeias. Segundo o Público, Charles Wyplosz (economista francês) apresentou ao IDEFF uma solução para o excessivo endividamento das economias europeias. Para quem quiser ler a proposta de Wyplosz na sua versão completa, basta clicar aqui.
Relativamente às premissas de Wyplosz, estas são muito simples:
1) Considerando a UE agregada, o rácio Dívida/Produto atinge os 96% (no gráfico abaixo verifica-se a distribuição deste rácio pelas economias europeias individualmente). Como tal, é urgente diminuir este rácio.
2) Existem 3 formas de diminuir este rácio: Superavits Orçamentais (pagando o stock acumulado de dívida+juros e evitando a emissão de novos títulos para cobrir défices - impacto no numerador), Inflação (aumentando o Produto - impacto no denominador) e Reestruturação (veremos mais adiante). No entanto, a primeira hipótese terá efeitos a um prazo nunca inferior a 35 anos e a segunda hipótese simplesmente esbarra na missão do BCE.
3) Qualquer default terá impactos catastróficos sobre o sector financeiro, pelo que não podemos colocar essa hipótese.
4) [Por imposição regulamentar] Não podem ser feitas transferências de capital entre Estados-Membros (leia-se Governos).
Dívida Pública em % do Produto (2009 vs 2014). Fonte: Charles Wyplosz
Antes de avançar para a proposta de Wyplosz, penso ser necessário relembrar como funciona o mecanismo de Senhoriagem do BCE. A Senhoriagem, resumidamente, é o lucro (prejuízo) obtido pelo BCE na produção de moeda, isto é, a diferença entre o valor nominal da nota/moeda e o custo incorrido para "imprimir" aquela nota/moeda. Para além disto, não nos podemos esquecer de que os diversos bancos centrais detêm participações de capital sobre o BCE, num sistema em tudo similar à estrutura accionista de um banco comercial. O que se verifica na prática não é uma produção centralizada de moeda e posterior distribuição das "quotas" de senhoriagem, mas sim uma produção descentralizada de moeda, permitindo aos diversos bancos centrais receber a sua fracção das receitas de senhoriagem à medida que colocam a moeda emitida na economia. No entanto, o resultado final é o mesmo.
Participações dos diversos bancos centrais no BCE. Fonte: Charles Wyplosz
Quanto à proposta apresentada por Wyplosz, esta terá duas versões: uma inicial, centralizada no BCE, denominada PADRE (Politically Acceptable Debt Restructuring), e uma posterior, pressupondo a criação de uma agência independente (ou a utilização de uma já existente), denominada MADRE (Mutually Agreed Debt Restructuring). A diferença entre ambas é meramente operacional, residindo no número de intermediários a todo o processo de reestruturação.
O PADRE consiste em nada mais, nada menos do que um swap de "dívida do governo" por "dívida do tesouro". Qual o racional por detrás disto? Simples, o banco central (qualquer que seja) pode, a qualquer momento, emitir moeda no valor da dívida emitida, liquidando-a. Claro que esta premissa não é tão simples como grande parte dos economistas o apregoa, quanto mais não seja pelos custos inflacionários que daí adviriam. Assim, tudo o que o BCE teria de fazer seria adquirir dívida dos diversos Estados-Membros. É aqui que entra a premissa 4) de Wyplosz: quanta dívida é que o BCE poderá adquirir a cada Estado-Membro. A resposta é simples: para que não se verifiquem quaisquer transferências de capital entre Estados basta que o BCE distribua a aquisição de dívida de acordo com a participação de cada banco central no BCE (no caso Português seria 2,53% do total do valor de dívida adquirido pelo BCE).
Mas, como se costuma dizer, ainda a procissão vai no adro. Não no que respeita aos governos, mas sim no que respeita ao BCE. Após a compra, o BCE deverá converter toda a dívida em Perpetuidades de juro-zero (obrigações sem juros e com maturidade infinita), mantendo os valores faciais. Estas Perpetuidades serão financiadas com dívida própria do BCE, chamemos-lhes "Draghis". A estrutura de maturidades associada às "Draghis" é completamente irrelevante, dado que a única restrição destas é que tenham o mesmo valor facial das Perpetuidades.
Finalmente, chegamos ao mecanismo de senhoriagem. Como as Perpetuidades têm juro nulo e as "Draghis" terão um juro qualquer superior a 0, o BCE irá incorrer em prejuízos por via desta operação. No entanto, estes prejuízos irão diminuir as "rendas" de Senhoriagem, sendo desta forma (indirecta) que os bancos centrais (cujos accionistas únicos são os governos) irão pagar este "serviço" prestado pelo BCE. Como todo este processo é baseado na "estrutura accionista" do BCE, todos estes fluxos são proporcionais e ir-se-ão anular ao longo do tempo.
Relativamente ao MADRE, este é em tudo semelhante ao PADRE, residindo a diferença sobre quem dirige todo o processo. Enquanto no PADRE tínhamos o BCE encarregue de todo o processo, o MADRE requer a criação de uma agência intermediária [Eurozone Agency na figura abaixo], ou a utilização de uma já existente. Esta agência será responsável por adquirir a dívida soberana dos diversos Estados-Membros (de acordo com o definido acima), por emitir dívida própria para financiar o processo e por recolher as "rendas" de Senhoriagem pagas pelo BCE.
No entanto, nem tudo são rosas... Além de todas as politiquices associadas ao processo (convencer a Alemanha, finalizar os programas de ajustamento em curso, ...), temos de considerar o principal risco de todo o processo: o Risco Moral de os governos se voltarem a endividar! Apesar de o processo poder ser reutilizado, não só a "renda" da Senhoriagem é finita, mas também o custo de financiamento da agência europeia/BCE será crescente com o número de reutilizações. Isto implica maiores custos de financiamento e um esgotamento da solução. Se até aqui não havia consenso face a como diminuir as dívidas soberanas, sem esta solução voltamos ao mesmo.
Finalmente, deixo-vos o vídeo do debate realizado no IDEFF com Charles Wyplosz.
O PADRE consiste em nada mais, nada menos do que um swap de "dívida do governo" por "dívida do tesouro". Qual o racional por detrás disto? Simples, o banco central (qualquer que seja) pode, a qualquer momento, emitir moeda no valor da dívida emitida, liquidando-a. Claro que esta premissa não é tão simples como grande parte dos economistas o apregoa, quanto mais não seja pelos custos inflacionários que daí adviriam. Assim, tudo o que o BCE teria de fazer seria adquirir dívida dos diversos Estados-Membros. É aqui que entra a premissa 4) de Wyplosz: quanta dívida é que o BCE poderá adquirir a cada Estado-Membro. A resposta é simples: para que não se verifiquem quaisquer transferências de capital entre Estados basta que o BCE distribua a aquisição de dívida de acordo com a participação de cada banco central no BCE (no caso Português seria 2,53% do total do valor de dívida adquirido pelo BCE).
Mas, como se costuma dizer, ainda a procissão vai no adro. Não no que respeita aos governos, mas sim no que respeita ao BCE. Após a compra, o BCE deverá converter toda a dívida em Perpetuidades de juro-zero (obrigações sem juros e com maturidade infinita), mantendo os valores faciais. Estas Perpetuidades serão financiadas com dívida própria do BCE, chamemos-lhes "Draghis". A estrutura de maturidades associada às "Draghis" é completamente irrelevante, dado que a única restrição destas é que tenham o mesmo valor facial das Perpetuidades.
Finalmente, chegamos ao mecanismo de senhoriagem. Como as Perpetuidades têm juro nulo e as "Draghis" terão um juro qualquer superior a 0, o BCE irá incorrer em prejuízos por via desta operação. No entanto, estes prejuízos irão diminuir as "rendas" de Senhoriagem, sendo desta forma (indirecta) que os bancos centrais (cujos accionistas únicos são os governos) irão pagar este "serviço" prestado pelo BCE. Como todo este processo é baseado na "estrutura accionista" do BCE, todos estes fluxos são proporcionais e ir-se-ão anular ao longo do tempo.
Resultado da aplicação do PADRE/MADRE ao caso da Zona Euro. Fonte: Charles Wyplosz
Relativamente ao MADRE, este é em tudo semelhante ao PADRE, residindo a diferença sobre quem dirige todo o processo. Enquanto no PADRE tínhamos o BCE encarregue de todo o processo, o MADRE requer a criação de uma agência intermediária [Eurozone Agency na figura abaixo], ou a utilização de uma já existente. Esta agência será responsável por adquirir a dívida soberana dos diversos Estados-Membros (de acordo com o definido acima), por emitir dívida própria para financiar o processo e por recolher as "rendas" de Senhoriagem pagas pelo BCE.
Como funciona o MADRE? Fonte: Charles Wyplosz
No entanto, nem tudo são rosas... Além de todas as politiquices associadas ao processo (convencer a Alemanha, finalizar os programas de ajustamento em curso, ...), temos de considerar o principal risco de todo o processo: o Risco Moral de os governos se voltarem a endividar! Apesar de o processo poder ser reutilizado, não só a "renda" da Senhoriagem é finita, mas também o custo de financiamento da agência europeia/BCE será crescente com o número de reutilizações. Isto implica maiores custos de financiamento e um esgotamento da solução. Se até aqui não havia consenso face a como diminuir as dívidas soberanas, sem esta solução voltamos ao mesmo.
Finalmente, deixo-vos o vídeo do debate realizado no IDEFF com Charles Wyplosz.
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