Os dias que correm trouxeram-nos
novidades quentes. Investigações por todos os lados, a banqueiros, políticos, polícias,
profissionais de saúde, grandes empresas.
Contudo, é o processo “Marquês”,
cujo principal alvo é um ex-primeiro-ministro, que centra a agenda
mediática.
Acontece que, neste vai-e-vem
entre Política e Justiça, com toda a gente a dizer que “uma coisa é uma coisa e
outra coisa é outra coisa”, mas no fundo querendo misturar as duas numa só, os media têm sido usados como arma de
arremesso e pressão, seja para um lado, ou para o outro. A este respeito, assista-se às declarações
absolutamente escandalosas de Mário Soares, a quem tudo parece permitido.
No meio disto, jogam-se
interesses de várias índoles, sem que o essencial seja lembrado: a gravidade
dos factos envolvidos e o que eles significam num regime em descrédito e
falência financeira e moral!
Na passada quinta-feira, o tal senhor
que foi “caçado” no aeroporto para ser levado a prestar explicações a Carlos Alexandre (juiz
de instrução a quem presto a minha mais profunda consideração) veio usar as mesmas
técnicas de sempre para se “defender”.
Como se a que tem de fazer na barra dos tribunais fosse um pormenor.
Carlos Alexandre: juiz discreto mas pelos vistos eficaz |
Sócrates é um atentado à
sanidade, lucidez, dignidade e honra de qualquer ser-humano. Já nem falo da tolerância e
espírito democrático, que há muito não lhe são reconhecidos.
Estando atrás de grades,
haja recato!
Vejamos.
«Há cinco dias “fora do mundo”, tomo agora consciência de que (...) as
“circunstâncias" devidamente seleccionadas contra mim pela acusação ocupam
os jornais e as televisões. Essas “fugas” de informação são crime».
Repare-se como crime são as fugas
de informação (que, de facto, não deixam de o ser, mas sempre foram usadas como
meio de informação e contra-informação, na Politica e na Justiça; Sócrates era
perito nesse jogo) e não a “fraude
fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção”, como lhe acusa
o Ministério Público!
E, depois, «as "circunstâncias" devidamente seleccionadas contra mim
pela acusação»?! Mas ele estava à espera de quê?! De uma investigação
inoperante, à moda de Pinto
Monteiro e Noronha do Nascimento, que impediram que fosse apanhado antes e
que ajudaram a que, hoje, Sócrates seja acusado por muito menos do que deveria ser
(Face Oculta, por eg)?!
«Não espero que os jornais (…) denunciem o crime e o quanto ele põe em
causa os ditames da lealdade processual e os princípios do processo justo. Por
isso, será em legítima defesa que irei (…) desmentir as falsidades lançadas
sobre mim e responsabilizar os que as engendraram».
Este monólogo é surreal! Já nem
me refiro à lengalenga do “é inocente até provem contrário”, porque esse princípio
apenas à Justiça cabe respeitar, não na vida dos cafés, conversas entre amigos,
discussões políticas, académicas e por aí fora. Se não houvesse “presunção de culpa”
neste caso (e não de inocência), José Sócrates não estaria hoje em prisão
preventiva!
Como referiu Nuno Garoupa, no Expresso,
«A opinião pública pode e deve fazer um
julgamento político, independentemente do julgamento legal e judicial. A
política e a justiça não são a mesma coisa. Assim como a justiça deve fazer o
seu julgamento sem interferência da política, a política (…) deve fazer o seu
julgamento. O maior disparate que existiu em Portugal nos últimos anos (…) é
tentar que o julgamento político (…) esteja sujeito aos mesmos critérios do
julgamento penal. (…) A presunção de inocência e o 'in dubio pro reo' são
princípios jurídicos, não são, não devem ser e não podem ser princípios
políticos».
No mesmo sentido, João
Miguel Tavares: «Da mesma forma que
os gatos têm sete vidas, eu acho excelente que um cidadão tenha sete presunções
de inocência. O problema de José Sócrates (…) é que já as gastou. Sócrates foi
presumível inocente na construção de casas na Guarda, (…) na licenciatura da
Independente, (…) na Cova da Beira, (…) no Freeport, (…) na casa da Braamcamp, (…)
no assalto ao BCP, (…) na tentativa de controlar a TVI, (…) no pequeno-almoço
pago a Luís Figo. Mal começou a ser escrutinado, a presunção de inocência
tornou-se uma segunda pele».
E, por outro lado, repare-se como
Sócrates não resiste àquela sua velha ambição de controlar os meios de comunicação
social. Paradoxalmente, essa é a acusação que faz à “acusação”...
«A minha detenção para interrogatório foi um abuso e o espectáculo
montado em torno dela uma infâmia; as imputações que me são dirigidas são
absurdas, injustas e infundamentadas; a decisão de me colocar em prisão
preventiva é injustificada e constitui uma humilhação gratuita».
Toda esta adjectivação não traz
nada de novo à defesa do acusado. Não adianta dizer-se que se está inocente sem
antes demonstrá-lo nas instâncias próprias. E essa deveria ser a prioridade de
Sócrates. Serão os tribunais a decidir, não a sensibilidade especial da opinião
pública para tanta vitimização numa frase só.
Mais ainda, o que tem vindo a
lume sobre o caso (aqui, aqui ou aqui,
só para dar alguns exemplos) não aponta de maneira nenhuma para aquilo que o
detido reivindica.
«Aqui está toda uma lição de vida: aqui está o verdadeiro poder – de
prender e de libertar. Mas em contrapartida, não raro a prepotência atraiçoa o
prepotente».
Sócrates sabe-o bem por
experiência própria! Quanto a prepotência, estamos conversados…
«Não tenho dúvidas que este caso tem também contornos políticos e
sensibilizam-me as manifestações de solidariedade de tantos camaradas e amigos».
Este caso, por ter implicações políticas,
não pode ser tratado como um outro qualquer. A este respeito, cito o
director do jornal i, Luís
Rosa: «O mais extraordinário em toda
a argumentação utilizada por boa parte dos comentadores de esquerda é a
transformação da detenção de José Sócrates numa violação do Estado de Direito. (…)
Esta extraordinária inversão das prioridades (como se o juiz ou o procurador
fosse mais perigoso que o arguido) pretende, não tenhamos dúvidas, desvalorizar
e descredibilizar os indícios que foram recolhidos contra Sócrates».
Para além disso, o senhor dito
engenheiro tem pouco que se queixar, tal como bem lembra Vasco Pulido
Valente: «Se o tratam mal agora,
seria bom pensar na gente que ele tratou mal quando podia: adversários,
serventes, jornalistas, toda a gente que tinha de o aturar por necessidade ou
convicção. Sócrates florescia no meio do que foi a sufocação do seu mandato».
Nada disto deve espantar. Para quem
escreve há muito sobre a sua forma de ser (e parecer), estes comportamentos
narcísico-arrogantes são nem mais
nem menos coerentes com a actuação do senhor enquanto primeiro-ministro de 2005
a 2011. E, agora, batemos de frente com as razões pelas quais medidas, de
aparência ideológica, foram, naquela altura, umas levadas adiante, outras impedidas. Prova mais
clara não pode haver do que a rejeição
da lei contra o enriquecimento ilícito. Muitas outras estarão por explicar.
Deixámo-lo lá tempo demais. Estamos hoje,
inequivocamente, a pagar por isso. Mas, pelo menos, que se faça justiça e não sejamos
os únicos a fazê-lo!
PS: É indispensável consultar este apontamento humorístico sobre o tema. O caos também floresce a criatividade.
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