A silly season traz consigo, como o próprio termo indica, disparates.
A justiça, para mal de nós, tem acompanhado a restante "actualidade" e
presenteou todos os que a pagam com dois belos estalos no bom senso.
Ainda era Álvaro ministro e Assunção
Cristas grávida do seu bebé e o
Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja condenou-os a pagar cerca de 40€/dia
até que a obra na A26 acabe.
Logo deduzi que uma auto-estrada
não se faz de hoje para amanhã, pelo que isto ainda vai dar um rendimento
jeitoso ao dito tribunal, à custa do Álvaro que já nem é ministro e da Cristas
que já teve a criancinha. Mas, para mim, o montante da dita multa é irrelevante
(perece-me irrisória, para gente que ganha milhares). Prefiro o simbolismo da
decisão e a jurisprudência que ela pode trazer.
A construção do troço Sines-Beja
foi parada em 2011 por falta
de financiamento, segundo justificação oficial. Não discuto isso. Embora o
país esteja pintado de auto-estradas de norte a sul, a de Sines-Beja não é uma qualquer,
na medida em que permitirá o desenvolvimento de Sines como porto de chegada de
mercadorias escoadas para o centro Europeu e aproxima o litoral e o interior do
Alentejo desertificado. Mas em alturas de troikas
não há vícios, o que justifica o adiamento.
Ora, se ao governo compete gerir
os recursos disponíveis da maneira que ache mais adequada (sujeitando-se ao
escrutínio eleitoral), aceito que a dita auto-estrada pare a sua construção,
desde que as condições de segurança estejam garantidas para aqueles que
continuam a frequentar a estrada inacabada. E é aqui que começa o disparate.
O tribunal não se limitou a dizer
"tapem lá os buracos e deixem a iluminação em ordem para quem lá
circula", mas foi ao ponto de dizer "não só tapem os buracos, como,
até o serviço estar feito, os ministros levam uma multa diária para não se
armarem em espertos".
A decisão é absolutamente
inédita, porque condena, em nome individual, os responsáveis políticos pelos
seus actos de gestão em exercício de funções, em vez do Estado na sua representação
(o que acontecia até hoje). O que, à partida, me deixou esperançado, na medida
em que o salário que certa
farmacêutica paga a José Sócrates, bem como as infindáveis
contas que ele e a sua família detêm em offshores,
serão certamente penhoradas até que os 60 pontos percentuais da dívida pública da
sua responsabilidade estejam pagos. É isto ou estarei a ver mal as coisas?
Porque a decisão judicial
despreza o facto do país estar sob assistência externa e, por essa razão, não
poder fazer tudo o que lhe apetece (já nem falo de nem ter dinheiro para isso),
despreza que a cadeia de decisões vai desde o chefe de obras da empresa contratada
pelo Estado, aos director-gerais secretários-de-estado e ministros de obras
públicas. Ou seja, porque diabo o inteligente juiz não foi multar o encarregado
da obra por ter deixado a estrada num autêntico pardieiro? Ele há coisas que
não dá para entender.
O segundo disparate judiciário
consegue ser mais insólito do que o primeiro. O que ficará demonstrado pelo próprio
texto da notícia,
a qual não me merecerá mais do que a sua pura a simples transcrição: uma
gargalhada absoluta.
O Tribunal da Relação do Porto obrigou uma empresa de Oliveira de Azeméis a reintegrar um empregado da recolha do lixo que tinha sido despedido por se ter descoberto que estava a trabalhar alcoolizado.
Tudo se passou no Dia dos Namorados do ano passado, a 14 de Fevereiro. Ainda não eram 18h quando o camião do lixo em que seguia o empregado se despistou, tombando para o lado direito. Quem ia ao volante era um colega seu, que se encontrava igualmente etilizado. Mas enquanto a taxa de alcoolemia do motorista, entretanto também despedido, era de 1,79 gramas por litro, a deste trabalhador, um imigrante de Leste, ascendia às 2,3 gramas por litro, revelaram as análises feitas no hospital para onde ambos foram transportados.
“Incorreu de forma culposa em gravíssima violação das normas de higiene e segurança no trabalho”, alegou a empresa de gestão de resíduos Greendays para lhe levantar o processo disciplinar com vista a despedimento, mostrando pouca compreensão para com os hábitos do funcionário.
“Incumpriu o dever de realizar o trabalho com o zelo e a diligência devidos, revelando um profundo desinteresse pelas funções confiadas, contribuindo para a lesão de interesses patrimoniais sérios e afectando de modo gravoso a imagem pública” da firma, acusou o patrão.
Não foi, no entanto, esse o entendimento dos juízes que analisaram o caso. Muito pelo contrário: segundo o Tribunal da Relação do Porto, que confirmou recentemente uma sentença de primeira instância, os resultados das análises ao sangue nunca poderiam ter sido usados pela entidade patronal sem autorização do trabalhador.
Por outro lado, alegam ainda os juízes, não existe na Greendays nenhuma norma que proíba o consumo de álcool em serviço. Por isso, no seu acórdão, os magistrados deixam um conselho à firma: que emita uma norma interna fixando o limite de álcool em 0,50 gramas por litro, “para evitar que os trabalhadores se despeçam todos em caso de tolerância zero”.
“Vamos convir que o trabalho não é agradável”, observam ainda os desembargadores Eduardo Petersen Silva, Frias Rodrigues e Paula Ferreira Roberto. “Note-se que, com álcool, o trabalhador pode esquecer as agruras da vida e empenhar-se muito mais a lançar frigoríficos sobre camiões, e por isso, na alegria da imensa diversidade da vida, o público servido até pode achar que aquele trabalhador alegre é muito produtivo e um excelente e rápido removedor de electrodomésticos.”
Afinal, questionam, que prejuízo para a sua imagem pode a firma alegar? Não há qualquer indício de que o homem estivesse a recolher o lixo “aos tombos e aos pontapés aos resíduos, murmurando palavras em língua incompreensível”.
As leis laborais não versam sobre os estados de alma do trabalhador, observam: “Não há nenhuma exigência especial que faça com que o trabalho não possa ser realizado com o trabalhador a pensar no que quiser, com ar mais satisfeito ou carrancudo, mais lúcido ou, pelo contrário, um pouco tonto.”
A Greendays ainda não decidiu se vai recorrer do acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
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