O que ensina o latim...

"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Microeconomias da Agricultura

Após regressar de férias, e aproveitando a toada do meu colega J Ruivo, vou-me dedicar um pouco à temática da Agricultura. Ao fim de um mês (o de Agosto) em plena Região Demarcada do Douro, ouvindo conversas, debates e observando realidades, decidi aprofundar alguns dos temas que ouvi serem debatidos, dando-lhes a abordagem económica que já é característica do Tricontraditorium.

Assim, vou começar por fazer um "acrescento" a uma das publicações do meu companheiro J Ruivo no passado mês de Agosto. Resumindo a uma palavra, Microeconomia. Isto não quer dizer que a sua análise Macroeconómica do sector primário esteja errada, bem pelo contrário, mas sim que as coisas não são tão lineares como ele as fez parecer.

Em primeiro lugar, olhar apenas para o VAB como um todo não chega. Apesar de este expressar a competitividade de um sector de actividade como um todo, não representa a competitividade das empresas que o compõem. Assim, as empresas agrícolas podem tentar explorar Economias de Escala resultantes de aumentos na área das explorações (principalmente se se tratar de explorações contíguas - daí o incentivo ao emparcelamento), em que se reduzem custos de transportes/deslocações (no caso do emparcelamento), de consumíveis (adubos, herbicidas, tratamentos, ...) e de oportunidade (tempo gasto se a exploração não ocupar todo um dia de trabalho, mas o que sobra não é suficiente para tratar outra exploração) [Nota: estes são exemplos que me surgiram, mas que não me parecem muito difíceis de compreender e aceitar].

Também as Economias de Gama tomam parte relevante neste plano. A utilização dos vastos sobrais alentejanos para pastoreio de gado, de históricas herdades para agro-turismo, etc etc etc, é a forma mais simples de retirar "todos os ovos do mesmo cesto" e diversificar a actividade das empresas do sector, reduzindo o risco operacional de cada uma.

Paralelamente, o potencial de campanhas de Marketing e Publicidade (principalmente para o mercado externo) é cada vez maior. O crescente processo de globalização, a procura por produtos "verdes" (leia-se agricultura biológica) e a consciência da necessidade de sustentar os recursos naturais podem constituir oportunidades num sector inerte por natureza (e pelos custos - leia-se preço - da inovação).

Assim, o único ponto que falta tratar é a Remuneração Base Média. Não podemos olhar para o que as pessoas ganham sem ver quanto custa viver em cada zona do país nem onde se encontra a predominância do emprego no sector agrícola.

Fonte: INE [Nota: 1 é a média nacional] 

Fonte: Pordata [Nota: valores em percentagem] 

Aparentemente o Ruivo tem razão. As regiões onde se registam maiores percentagens de emprego agrícola (Alentejo e Açores) são as que se encontram acima da média nacional no que respeita ao IPC (Índice de Preços no Consumidor). Confesso que estes resultados me causam estranheza, quando pensei nesta publicação pensava que o IPC me ia dar razão e que a Remuneração Média no sector Primário ia ser compensada por um nível de preços mais baixo. No entanto, guardo uma ressalva para a utilização das NUTS II como referência geográfica, já que, por exemplo, o Norte contempla realidades bastantes contrastantes do Litoral para o Interior. O mesmo ocorre com o Alentejo, onde o Interior é muito mais virado para a actividade agrícola que o Litoral, que já contempla uma actividade turística (sector terciário) bastante considerável (basta pensar na extensão de toda a Costa Vicentina).

Assim, corrobora-se que "a Agricultura não é o El Dourado de Portugal". No entanto, tem potencialidades que (ainda) se podem ter em conta aquando da decisão de investir.

Creio que com tudo isto, o sector agrícola fica com uma análise um pouco mais profunda e completa. No entanto, há ainda muito mais a dizer sobre o futuro da Agricultura, mas fica para outra altura...

P.S.: Reparem lá na novidade do canto superior esquerdo...

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O trunfo francês

Há uns tempos, o Krugman chamou a atenção para um dado interessante: projecções populacionais para a Alemanha e a França. 

A França tem a terceira taxa de fecundidade mais elevada da Europa (2,01). À sua frente temos a Islândia (2,02) e a Irlanda com (2,05). No outro lado do espectro, temos a Hungria (1,23), a Roménia (1,25) e a Polónia (1,3). Portugal (1,35) e Espanha (1,36) surgem em 5º e 8º lugar a contar do fim, respectivamente.
Taxa de fecundidade (2011, fonte)
Só para relembrar: a taxa de fecundidade traduz-se no número médio de filhos que se espera que uma mulher dê à luz... durante a sua vida reprodutiva. Não me perguntem porque tenho que dizer aquele último pormenor. Pelo que me recordo de Geografia (Básico e Secundário), é calculada como o rácio entre o número de nascimento e o número de mulheres entre os 15 e os 49 anos de idade.

Assume-se que é necessária uma taxa de fecundidade de 2,1 para reposição da sua população. Na altura - e ainda me lembro! -, pensei para comigo porque raio é que não era 2! Se uma mulher gerar dois filhos, então repõe o pai e a mãe - missão concluída! Agora, imagino que seja 2,1 porque o número leva em consideração aqueles que morrem antes de chegarem à idade reprodutiva e aqueles que são inférteis, e assume que metade da população é feminina. Neste sentido, estes 2,1 são aquilo a que chamamos de rule-of-thumb (heurística?).

Seja como for, é graças a esta taxa de fecundidade, umas das mais elevadas da Europa (e do mundo desenvolvido) e, suponho, a um saldo migratório positivo, que o Krugman nos partilha este gráfico:
Roubado ao Krugman (daqui)
Em que a a população francesa começa a superar a alemã por volta de 2045. Vive la France!

Voltando à economia.

A população é o activo mais precioso de uma nação. (Frase cliché e grande verdade económica.) Numa economia típica, 2/3 da produção resulta da actividade humana - o outro terço provém de capital. Portanto, é de esperar que a França se transforme no Motor da Europa a meados do século.

Contudo, o Krugman faz a seguinte ressalva: ele espera que o PIB per capita entre os países da União seja semelhante nessa altura. Parece-me uma hipótese razoável. É para isso que servem os Fundos da União, em principal o Fundo de Coesão. Razoável, mas não boa. Se reduzirmos para o caso alemão e francês, parece-me muito mais provável, dado o passado do Corredor Industrial que se estende entre a Holanda e o Norte de Itália. Ainda hoje é visível.
PIB per capita por NUTS 2 (em percentagem da média da UE27, 2010, fonte)
Apesar do Krugman falar em PIB per capita e não em produtividade, não torna um factor visível. Mas eu quero ser claro e dizer que um aspecto a considerar seria a estrutura etária. Isto é relevante, porque apesar de uma nação ser mais populosa, e ter uma produtividade média igual, mas uma maior porção da população fora do mercado de trabalho, faz com que no todo produzam menos. E aqui é um ponto a favor da França, já que em 2045 a sua população deve ser muito mais jovem que a alemã. E por este facto, a França pode ultrapassar o PIB alemão mesmo antes de ultrapassar a sua população. 

Por outro lado, temos que considerar a "coesão social". Com isto, quero dizer que a "produtividade total de factores" - algo que capta a produtividade decorrente da combinação de factores -, deve estar dependente das relações que os trabalhadores formam entre si. Agora, o cenário é o seguinte: a taxa de fertilidade de casais franceses é de 1,6; enquanto o de imigrantes é de 2,4. Isto faz com que a proporção de população francesa no futuro com ascendência estrangeira no futuro seja bastante mais elevada. Agora imagine que a integração de estrangeiros em França é um problema perene, criando dificuldades no relacionamento entre pares. Isto cria problemas de produtividade e portanto corroí a hipótese de que "em 2045 a Alemanha e a França terão um PIB per capita semelhante". Agora, só resta saber se este é caso francesa e a sua gravidade.

Pela parte que me toca, se calhar devia priorizar a aprendizagem da língua francesa à alemã. Sempre é mais fácil.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O dilema das tecnologias limpas: verde-vermelho

A questão da aposta em tecnologias “verdes” e a penalização de indústrias poluentes tem que se lhe diga.

Se, por um lado, é adquirido que mais cedo ou mais tarde os países terão de investir fortemente em energias "limpas" (principalmente aqueles que melhores condições climáticas têm para o fazer – como é exemplo o caso português), também me parece que essa aposta não pode ser feita sem uma enérgica intervenção de subsídios governamentais. A questão acaba por ser o velho dilema sacrificar o curto ou o longo-prazo, já que o dinheiro não chega para tudo.
Em Portugal, o governo Sócrates ensaiou esta “reforma energética”. A consequência foi a diminuição do défice energético. Contudo, tal mudança reflectiu-se, não só ao nível orçamental (dados os benefícios fiscais à aquisição de painéis fotovoltaicos e os elevados investimentos em parques eólicos, por eg), bem como na factura mensal de electricidade paga por todos nós.
Fonte: PORDATA

Outro dilema que avassala os governos prende-se com a penalização fiscal das indústrias mais poluentes. E esse ponto é crítico quando pensamos nos efeitos perversos que uma política desse tipo pode vir a ter para o sistema económico. Li, já não sei onde nem quando, que se o mercado automóvel fosse taxado totalmente pelas externalidades negativas que provoca ao meio ambiente, o preço dos veículos aumentaria 17 vezes. Tal medida (um imposto pigouviano) levaria à quase extinção da indústria rodoviária e de outras com ela relacionadas (não apenas a compra e venda de carros, mas também o mercado de combustíveis e os transportes rodoviários de passageiros e mercadorias), com os naturais efeitos devastadores que isso traria para o crescimento.
A introdução do imposto pigouviano levaria à quase extinção do mercado de compra e venda de carros

Há, depois, outro aspecto que não é de todo de ignorar e que explica o facto de serem os países nórdicos aqueles que mais registam avanços neste campo: a aposta nestas tecnologias está intimamente relacionada com a capacidade financeira dos países. Daí serem vitais acordos internacionais que definam estratégias globais (fortemente fiscalizadas e cumpridas por todos os países) de combate às alterações climáticas, bem como regras claras para o mercado das emissões de carbono, que permitam aos países mais frágeis não ficarem desprotegidos no caminho do desenvolvimento.
A solução, como sempre, passa pelo meio-termo. Os países mais avançados têm o dever de contribuir mais fortemente para esse esforço, já que os sub-desenvolvidos e os "em vias de sub-desenvolvimento" (como Portugal) enfrentam constrangimentos orçamentais e neste momento têm outras prioridades.

E depois tudo depende da visão do poder político, mais estratégica ou mais orientada para as eleições seguintes. E essa é, no fundo, a velha história que distingue os visionários dos que não vêm um boi à frente!


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Duas semanas de notícias

Duas semanas depois de subscrever a fonte de notícias (RSS feed) do INE, este é o panorama que me espera no meu agregador.



Animador.

A do IPC pode ser lida de uma forma ambígua: por um lado, quanto menor for, melhor para a restauração da competitividade-preço e para aqueles que têm os salários congelados na prática. Por outro lado, é o reflexo de uma economia deprimida.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Aspectos teóricos sobre a mobilidade especial: tentativa

Enquanto muitos voltaram ao trabalho no início de Setembro, eu decidi dar duas semanas de férias à vida. De regresso, quero satisfazer o pedido de um leitor e venho dar a minha opinião sobre o chumbo da mobilidade especial.

Se bem percebo, a mobilidade especial funciona do seguinte modo: durante um máximo de doze meses, os funcionários recebem 50% do seu vencimento (ou menos) até que são ora despedidos, com as devidas indemnizações, ora colocados numa lista de espera para voltarem ao activo, mas sem receberam até então. Se não me engano, o que acontece ao fim de 12 meses é dado a escolher ao trabalhador.

Agora, se eu calçar os sapatos de alguém que está em mobilidade especial, e estando eu consciente de que o Governo tem que despedir pessoal, as minhas perspectivas de ficar naquela lista de espera não são risonhas. Pior ainda se as minhas qualificações estão abaixo da média, mas melhores se estiver perto da reforma.

Mesmo depois de ter corrido as notícias há umas semanas, fiquei por saber quais são os trabalhadores que são colocados em mobilidade especial. Se forem os directores dos respectivos serviços a decidir que têm trabalhadores a mais para a carga de trabalho, então sim faz sentido ter a mobilidade especial e não despedir directamente.

Quem é colocado em mobilidade especial em princípio, suponho, é reafectado para serviços com falta de funcionários. Nesse caso, o responsável pode avaliar o desempenho do trabalhador em mobilidade especial e compará-la com o desempenho de alguém que seria recrutado num centro de emprego. Caso seja, melhor, então mantém-se o funcionário; caso contrário, é despedido.

Assumo que o objectivo é reafectar recursos e melhorar a “pool” de funcionários dentro do aparelho do Estado.

Quem é colocado em mobilidade especial também tem o benefício de poder julgar o novo ambiente de trabalho, e decidir se lhe convém ou não.

A verdade é que eu não sei muito sobre o assunto, pelo que vejo-o do melhor modo que tenho à mão: modelos de busca (de emprego). O meu colega Júdice teve Direito do Trabalho, por isso ele há-de ter uma melhor ideia do assunto.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Previsões para 2014

Na passada segunda feira (dia 2 de Setembro), o professor do ISEG Paulo Trigo Pereira deu uma entrevista ao Jornal de Negócios, na qual abordou a questão do chumbo do Tribunal Constitucional (TC) ao diploma sobre os despedimentos na função pública, as suas alternativas e o futuro. Mais uma vez, Trigo Pereira chega como "Profeta da Desgraça", colocando grandes reservas ao alcançar dos 4% do PIB como meta do défice em 2014. Isto por culpa do TC, já que no seu entender o OE2013 suprime as lacunas e cumpre os requisitos pedidos pelo TC aquando do chumbo às medidas do OE2012 relativas a cortes de salários e pensões.

Dois dias depois, o Presidente do ISEG, João Duque diz na SIC Notícias (e com razão) que 2014 será um ano de constantes idas aos mercados para repor dívida que vencerá. Na realidade, esta "constância" iniciar-se-á ainda em 2013, já que no final do mês de Setembro teremos cerca de 6 mil milhões de euros de dívida para repor.

Voltando a Trigo Pereira, este defende que o crescimento do PIB no segundo trimestre não chega para resolver nada, visto que o aumento dos rácios de Dívida/PIB por toda a Europa se irá traduzir numa espiral contraccionista (contrariando Portas, que diz que a economia bateu no fundo e está em retoma). Ao mesmo tempo, defende a aposta na procura de IDE (Investimento Directo Estrangeiro), não por via de impostos (baixa no IRC), mas pela garantia de condições de sustentabilidade das empresas ("como o acesso ao crédito, o funcionamento da justiça, as acessibilidades, o custo da energia, a qualificação da mão-de obra", ou mesmo "incentivos selectivos, e não benefícios generalizados a todas empresas, dos sectores transacionável e não transacionável"), que beneficiariam não só investidores estrangeiros, como investidores nacionais que já estejam estabelecidos, ou que se venham a estabelecer.

De acordo com dados da Bloomberg, os juros da dívida (a 10 anos, desde o final de Julho) estabilizaram acima dos 6,5%, tendo ultrapassado os 7% no presente mês de Setembro. De acordo com o IGCP, até ao fim de 2014 vencerão mais de 19,5 mil milhões de euros de Obrigações do Tesouro e cerca de 28 mil milhões de euros de Bilhetes do Tesouro. Isto confirma a tese de João Duque de que estamos perante um ano de constantes idas ao mercado.

Portanto o que se pode concluir daqui? Parece-me algo óbvio. Não querendo ser pessimista, os números apontam para um 2014 dificílimo e decisivo para o sucesso da economia portuguesa. A questão das inconstitucionalidades irá condicionar as possibilidades de acção do governo, tornando mais difícil a tomada de decisões e/ou medidas. O mesmo se aplica ao tempo despendido com a questão do (re)financiamento da dívida. Além disto, as Legislativas de 2015 aproximam-se a passos largos, perspectivando-se algumas medidas mais "populistas" para o final de 2014 (ou a serem incluídas no OE2015).

É esperar para ver...