O
Mundo de hoje caracteriza-se pela globalização a muitos níveis, incluindo o
cultural. Do Brasil à Coreia (do Sul), quando não traduzido, ouvem-se as mesmas
músicas, vêem-se as mesmas séries e filmes e comem-se até coisas parecidas. Em
geral, vindos dos EUA. Já todos sabemos desta conversa. Mas, reforço, a
necessidade de hoje toda a gente comunicar em inglês fez com que as outras
línguas estejam, como se diz no mundo dos negócios, em processo de liquidação!
(Nisso,
os franceses e os espanhóis, mal ou bem, mantêm uma marca própria, seja por
convicção ou nabice para as línguas…)
Veio-me este pensamento à cabeça, ao assistir às sessões da comissão parlamentar de inquérito ao caso BES/GES. Em particular, ao longo e inconclusivo depoimento de Ricardo Salgado (a nova designada VDT – Vítima Disto Tudo).
Fui logo repescar um vídeo que traz Zeinal Bava para as mesmas tristezas, também numa comissão de inquérito, não apenas pelo “portuguesing”, mas igualmente pelo abismo de reputação em que caiu, tanto ou quanto idêntico ao de Salgado (e por este último causado, já agora).
Parece
que não é só chic, mas obrigatório, recorrer ao jargão empresarial. Se
queremos ser bem-sucedidos e mostrarmo-nos na crista da onda (ou no mainstream), não podemos acabar uma
frase sem meter um palavrão lá para o meio, como seja: advisory, assets, assumptions, benchmark, board, brainstorming, brandawareness, budget, businessmodel, cash-flows, casestudy, CEO, CFO, chairman, coaching, core business, deadline, downsizing, EBITDA, empowerment,
equity, feedback, follow-up, franchising, governance, insights, joint ventures, know-how, M&A, mainstream,
market share, mentoring, network, outsourcing, pricing, procurement, project finance, sales, skills, stakeholders, start-up, stock options, upgrade ou workshop.
Concluindo,
entusiasmemo-nos com os novos tempos e as oportunidades que eles oferecem, sim,
mas mantenhamos uma certa identidade quando manifestarmos esse entusiasmo da
boca para fora…
PS:
E, por favor, não, não vamos buscar os maus exemplos vindos das altas figuras
da Nação…
Os dias que correm trouxeram-nos
novidades quentes. Investigações por todos os lados, a banqueiros, políticos, polícias,
profissionais de saúde, grandes empresas.
Contudo, é o processo “Marquês”,
cujo principal alvo é um ex-primeiro-ministro, que centra a agenda
mediática.
Acontece que, neste vai-e-vem
entre Política e Justiça, com toda a gente a dizer que “uma coisa é uma coisa e
outra coisa é outra coisa”, mas no fundo querendo misturar as duas numa só, os media têm sido usados como arma de
arremesso e pressão, seja para um lado, ou para o outro. A este respeito, assista-se às declarações
absolutamente escandalosas de Mário Soares, a quem tudo parece permitido.
No meio disto, jogam-se
interesses de várias índoles, sem que o essencial seja lembrado: a gravidade
dos factos envolvidos e o que eles significam num regime em descrédito e
falência financeira e moral!
Na passada quinta-feira, o tal senhor
que foi “caçado” no aeroporto para ser levado a prestar explicações a Carlos Alexandre (juiz
de instrução a quem presto a minha mais profunda consideração) veio usar as mesmas
técnicas de sempre para se “defender”.
Como se a que tem de fazer na barra dos tribunais fosse um pormenor.
Carlos Alexandre: juiz discreto mas pelos vistos eficaz
Sócrates é um atentado à
sanidade, lucidez, dignidade e honra de qualquer ser-humano. Já nem falo da tolerância e
espírito democrático, que há muito não lhe são reconhecidos.
Estando atrás de grades,
haja recato!
Vejamos.
«Há cinco dias “fora do mundo”, tomo agora consciência de que (...) as
“circunstâncias" devidamente seleccionadas contra mim pela acusação ocupam
os jornais e as televisões. Essas “fugas” de informação são crime».
Repare-se como crime são as fugas
de informação (que, de facto, não deixam de o ser, mas sempre foram usadas como
meio de informação e contra-informação, na Politica e na Justiça; Sócrates era
perito nesse jogo) e não a “fraude
fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção”, como lhe acusa
o Ministério Público!
E, depois, «as "circunstâncias" devidamente seleccionadas contra mim
pela acusação»?! Mas ele estava à espera de quê?! De uma investigação
inoperante, à moda de Pinto
Monteiro e Noronha do Nascimento, que impediram que fosse apanhado antes e
que ajudaram a que, hoje, Sócrates seja acusado por muito menos do que deveria ser
(Face Oculta, por eg)?!
«Não espero que os jornais (…) denunciem o crime e o quanto ele põe em
causa os ditames da lealdade processual e os princípios do processo justo. Por
isso, será em legítima defesa que irei (…) desmentir as falsidades lançadas
sobre mim e responsabilizar os que as engendraram».
Este monólogo é surreal! Já nem
me refiro à lengalenga do “é inocente até provem contrário”, porque esse princípio
apenas à Justiça cabe respeitar, não na vida dos cafés, conversas entre amigos,
discussões políticas, académicas e por aí fora. Se não houvesse “presunção de culpa”
neste caso (e não de inocência), José Sócrates não estaria hoje em prisão
preventiva!
Como referiu Nuno Garoupa, no Expresso,
«A opinião pública pode e deve fazer um
julgamento político, independentemente do julgamento legal e judicial. A
política e a justiça não são a mesma coisa. Assim como a justiça deve fazer o
seu julgamento sem interferência da política, a política (…) deve fazer o seu
julgamento. O maior disparate que existiu em Portugal nos últimos anos (…) é
tentar que o julgamento político (…) esteja sujeito aos mesmos critérios do
julgamento penal. (…) A presunção de inocência e o 'in dubio pro reo' são
princípios jurídicos, não são, não devem ser e não podem ser princípios
políticos».
No mesmo sentido, João
Miguel Tavares: «Da mesma forma que
os gatos têm sete vidas, eu acho excelente que um cidadão tenha sete presunções
de inocência. O problema de José Sócrates (…) é que já as gastou. Sócrates foi
presumível inocente na construção de casas na Guarda, (…) na licenciatura da
Independente, (…) na Cova da Beira, (…) no Freeport, (…) na casa da Braamcamp, (…)
no assalto ao BCP, (…) na tentativa de controlar a TVI, (…) no pequeno-almoço
pago a Luís Figo. Mal começou a ser escrutinado, a presunção de inocência
tornou-se uma segunda pele».
E, por outro lado, repare-se como
Sócrates não resiste àquela sua velha ambição de controlar os meios de comunicação
social. Paradoxalmente, essa é a acusação que faz à “acusação”...
«A minha detenção para interrogatório foi um abuso e o espectáculo
montado em torno dela uma infâmia; as imputações que me são dirigidas são
absurdas, injustas e infundamentadas; a decisão de me colocar em prisão
preventiva é injustificada e constitui uma humilhação gratuita».
Toda esta adjectivação não traz
nada de novo à defesa do acusado. Não adianta dizer-se que se está inocente sem
antes demonstrá-lo nas instâncias próprias. E essa deveria ser a prioridade de
Sócrates. Serão os tribunais a decidir, não a sensibilidade especial da opinião
pública para tanta vitimização numa frase só.
Mais ainda, o que tem vindo a
lume sobre o caso (aqui, aqui ou aqui,
só para dar alguns exemplos) não aponta de maneira nenhuma para aquilo que o
detido reivindica.
«Aqui está toda uma lição de vida: aqui está o verdadeiro poder – de
prender e de libertar. Mas em contrapartida, não raro a prepotência atraiçoa o
prepotente».
Sócrates sabe-o bem por
experiência própria! Quanto a prepotência, estamos conversados…
«Não tenho dúvidas que este caso tem também contornos políticos e
sensibilizam-me as manifestações de solidariedade de tantos camaradas e amigos».
Este caso, por ter implicações políticas,
não pode ser tratado como um outro qualquer. A este respeito, cito o
director do jornal i, Luís
Rosa: «O mais extraordinário em toda
a argumentação utilizada por boa parte dos comentadores de esquerda é a
transformação da detenção de José Sócrates numa violação do Estado de Direito. (…)
Esta extraordinária inversão das prioridades (como se o juiz ou o procurador
fosse mais perigoso que o arguido) pretende, não tenhamos dúvidas, desvalorizar
e descredibilizar os indícios que foram recolhidos contra Sócrates».
Para além disso, o senhor dito
engenheiro tem pouco que se queixar, tal como bem lembra Vasco Pulido
Valente: «Se o tratam mal agora,
seria bom pensar na gente que ele tratou mal quando podia: adversários,
serventes, jornalistas, toda a gente que tinha de o aturar por necessidade ou
convicção. Sócrates florescia no meio do que foi a sufocação do seu mandato».
Nada disto deve espantar. Para quem
escreve há muito sobre a sua forma de ser (e parecer), estes comportamentos
narcísico-arrogantes são nem mais
nem menos coerentes com a actuação do senhor enquanto primeiro-ministro de 2005
a 2011. E, agora, batemos de frente com as razões pelas quais medidas, de
aparência ideológica, foram, naquela altura, umas levadas adiante, outras impedidas. Prova mais
clara não pode haver do que a rejeição
da lei contra o enriquecimento ilícito. Muitas outras estarão por explicar.
Deixámo-lo lá tempo demais. Estamos hoje,
inequivocamente, a pagar por isso. Mas, pelo menos, que se faça justiça e não sejamos
os únicos a fazê-lo!
Como é sabido, realizam-se no
próximo dia 28 de Setembro as primárias que elegerão o “candidato a
primeiro-ministro”, por parte do Partido Socialista, às Legislativas de 2015.
Não venho para aqui discutir a
campanha, as “propostas”, o “messianismo” dos candidatos, as “traições”, os
“debates”, o falatório, as birras, os “apoios”, as federações e
essa estirpe de coisas que entretém os noticiários e que, no fundo, não são
nada de novo nesta democracia com pouca alternativa e muita alternância. Venho,
sim, como militante
que sou da intervenção cidadã e da independência de raciocínio, deixar um
comentário às críticas que o processo tem merecido por parte de algumas pessoas
(como foi o caso de António
Barreto).
A maior crítica apontada às
eleições primárias é a de que elas representam a incapacidade das estruturas
internas dos partidos de decidir o melhor para o país. Mas, durante anos a fio,
estes mesmos partidos assistiram impávidos à sua própria descredibilização,
exactamente à conta da excessiva “capacidade” em proceder a essas escolhas,
ignorando sem apelo nem agravo (como ainda hoje se ignora) o contributo de
movimentos de cidadãos independentes, petições e iniciativas afins. Tendo,
também e evidentemente, outras causas, este monopólio de decisão dos partidos
(internamente e na Assembleia da República) resultou no que hoje se vê como o maior
alheamento por parte dos cidadãos que há memória desde 1974.
António Barreto diz que esta
iniciativa «é o mais forte ataque à democracia portuguesa». Bom, não consta que
os Estados Unidos da América, onde a eleição presidencial é precedida de
primárias no Partido Democrata e no Partido Republicano, seja uma democracia
fraca. Muito pelo contrário. Não haverá provavelmente no Mundo (sem conhecê-las
a todas) democracia em que os cidadãos se mobilizem tanto como naquela, seja em
causas políticas ou humanitárias.
No entanto, há uma crítica de
Barreto que eu partilho e que entronca num imbróglio jurídico por resolver.
Nestas eleições, está em jogo o “candidato a primeiro-ministro” e não o
secretário-geral do PS. Ora, sucede-se que, na Constituição Portuguesa, as
eleições legislativas não elegem o primeiro-ministro. Elegem deputados para a
AR, por representação proporcional, em listas distritais apresentadas pelos partidos concorrentes. Dados os
resultados eleitorais, os deputados eleitos (ou melhor, os partidos por eles)
indicam ao Presidente da República uma pessoa (normalmente, do partido mais
votado) que o indigita, ou não, para formar governo.
Ou seja, na prática, estas primárias
não servem de nada. Dependem sempre de uma “declaração de princípio” por parte
do líder do PS: primeiro passo, ceder o lugar (estatutariamente, sabe-se lá
como...) ao vencedor dessas eleições (que pode ser o anterior ou um novo) e, segundo
passo, comprometer o partido a indicar o vencedor dessas primárias para formar
governo (caso o PS seja o mais votado nas legislativas). Tirando este pequeno
grande pormenor, esta abertura do PS só pode ser benéfica para a
democracia.
Não se pode, pois, criticar os partidos
por nada fazerem para inverter o descrédito em que caíram e, ao mesmo tempo,
contrariar as suas iniciativas para se abrirem à “sociedade civil” e a outros movimentos!
Para marcar o meu regresso ao mundo da palavra escrita, partilho convosco uma verdade que tanto me deu de rir como de pensar neste interlúdio. Vai valer a pena descobrir as verdades desta verdade.
Enquanto passeava pelos canais de televisão, caio num programa que reuniu um painel de Presidentes de Câmara para comentar os quarenta anos do 25 de Abril. Comentado isto e aqueloutro, o assunto veio para as Câmaras e as suas dívidas. E o que mais me recordo é de alguém disparar da boca para fora qualquer coisa como:
«As autarquias não contribuem para o défice. Aliás, até damos lucro ao Estado.»
Dizer que as autarquias "não contribuem para o défice [do Estado]" requer uma manobra contabilística tão boa como a do Pingo Doce ir pagar os impostos à Holanda. Brinco, mas a verdade é que o superavit das autarquias não passa de uma ilusão contabilística.
Se olharmos para as autarquias como entidades individuais, é bem provável que algumas delas até terminem o ano com um saldo contabilístico positivo. Contudo, sendo as autarquias parte do Estado, consolidando as contas, elas são - quase de certeza na sua totalidade - deficitárias.
Porquê a diferença? Quando vemos as contas não estão consolidadas das autarquias, as transferências do Estado surgem como uma Receita nas contas das autarquias. Quando consolidamos as contas para o Estado como um todo, o dinheiro que vem de um lado do Estado para o outro lado do Estado não é contabilizado, porque no fundo trata-se do mesmo organismo.
Vejamos então os números:
Receitas e Despesas da Administração Local*
Fonte: Relatório do OE14
2012
2013
2014
Receita Efectiva
Receita fiscal
2221
2337
2530
da qual:
IMI
1230
1359
1530
IMT
386
367
385
Transferências
3763
3795
3516
das quais:
Das Adm. Públicas
2551
457
2894
União Europeia
749
1641
491
Outra
1656
1641
1351
Subtotal
7640
7773
7397
Despesa Efectiva
Corrente
Pessoal
2241
2419
2241
Outra
2691
3068
2563
Capital
1963
2233
1725
Subtotal
6895
7720
6529
Saldo Global
745
53
868
Saldo s/ transferências
-1806
-404
-2026
*Além dos municípios, inclui as freguesias.
O saldo global confirma a verdade proferida pelo tal Presidente de Câmara, em que as autarquias geram "lucro para o Estado". Retirando as transferências do Estado para o Estado, vemos que as autarquias têm tanto de lucro como a CP.
Isto da verdade é só truques e há para todos os gostos. Mas em contexto, só uma é de interesse. E neste caso, para saber que subsector do Estado sustem o outro, a verdade é esta: as autarquias dependem da Administração Central.
Como nota final, tenho a salientar não que o saldo da administração local não me incomoda. Como cidadão, apenas desejo que o Estado exerça as funções que a sociedade lhe exige nos melhores modos possíveis. Se nesta atribuição de tarefas, acontece que a Administração Local exerce as suas actividades com um défice ou superavit é de pouca importância. O que realmente importa é que se trabalhe com eficiência e que o Estado como um todo tenha finanças sustentáveis.