O que ensina o latim...

"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Afirmo aquilo que não digo

Trago hoje três artigos que tratam exactamente o mesmo: um deles do iOnline, outro do SOL e, finalmente, um do Público. O tema? A riqueza dos ricos. O que me irrita nestes três artigos? 

Lead do iOnline: «A austeridade, quando nasce, não é para todos. Os 25 mais ricos de Portugal são hoje donos de 10% do PIB quando há um ano as suas fortunas não chegavam aos 8,5% do PIB»

Sub-título do Público: «Fortunas dos 25 mais ricos correspondem a 10% do PIB nacional.»

Corpo da notícia do SOL: «Segundo as contas da publicação, o total das 25 maiores fortunas equivale, em 2013, a 10% do produto interno bruto (PIB) nacional, quando em 2012 representava 8,4%.»

Em comum têm o facto de comparar riqueza com o PIB. Pormenores:

i) A riqueza é o acumular de poupança de períodos anteriores; o PIB é a criação de riqueza num único período.
Se o PIB descer num ano por qualquer razão, mantendo a riqueza praticamente constante, então dá a sensação que os ricos estão mais ricos mesmo que a distribuição da riqueza mantenha-se igual.
ii) Sendo um rácio, pode aumentar porque: i) a riqueza aumenta, ii) o PIB diminui, iii) uma combinação de i) e ii), iv) percentualmente, o PIB decresce mais que a riqueza.
Lendo os artigos, sei que foi devido à iii) - os ricos ficaram mais ricos, e o todo ficou mais pobre. O que nos leva a...
iii) O título do artigo não bate com a métrica - usam a medida de riqueza errada.
Se é para dizer que os ricos estão mais ricos, reportem em quanto a riqueza do top 25 aumentou - 16%. Se é para dizer que a desigualdade aumentou, não inventem - usem o índice de Gini; ou, para ser mais específico aos ricos dos ricos, reportem a fatia dos 1% mais ricos no rendimento nacional. Para ser justo, eles (não) tentam fazer isto à sua própria maneira.
 iv) Um rácio esconde muita coisa, e o artigo alimenta uma interpretação errónea.
Quem lê o artigo, fica com a ideia que houve uma redistribuição da riqueza dos pobres p'ós ricos - basta ler os comentários. Mas a verdade é que a riqueza dos ricos de Portugal pode ter aumento graças a factores que nada têm a ver com Portugal. Isso não consegues ver no rácio. No caso do Américo Amorim, prende-se com a Galp e as concessões desta no estrangeiro.

Através de i) e iii), mais a ii) para quem não lê a notícia, a maior parte das pessoas chega à iv). Eu culpo as três redacções mais a Lusa.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O Futuro da Energia

Terça-feira, dia 12 de Novembro, a International Energy Agency apresentou o World Energy Outlook, onde prevê que o consumo de energia a nível global aumentará cerca de um terço até 2035. Outros dados interessantes prendem-se com o facto de o crescimento das renováveis apontar para, nesse momento, uma "quota de mercado" de 25% (em 2012 era de 18%). Isto significa que o crescimento do consumo de energia não será baseado numa troca de combustíveis fósseis por fontes de energia "limpas", mas sim por um crescimento de ambas as fontes (como se pode constatar no gráfico abaixo).

Um caso que merece destaque é o Brasileiro, que se prevê triplicar a sua extracção de petróleo. No entanto, a previsão da sua estrutura de consumo energético aponta para a exportação de crude, já que o seu consumo não deverá ultrapassar os 20% do total (comparando com os cerca de 55-60% a nível global). A sua grande fatia de energia disponível para consumo deverá ser produzida por via hidroeléctrica (cerca de 60% do total), enquanto a energia nuclear ocupará um lugar residual (globalmente será cerca de 5-10% da energia disponível).



Não me parece muito difícil prever que o grande crescimento económico mundial até 2035 estará dividido entre China e Índia. Assim, e olhando para o gráfico acima, verificamos que o crescimento do consumo de energia está eminentemente associado ao crescimento económico, já que se prevê que a esmagadora maioria do aumento da procura de energia seja dividida entre os países não-membros da OCDE, de onde se destacam os Asiáticos (China e Índia). Aliás, a previsão aponta para que em 2035, a China consuma tanta energia como a Europa e os EUA juntos.

Portanto, somando tudo isto, o que parece simples de concluir é que:
1) O desenvolvimento de energias renováveis não se apresenta rápido o suficiente para contrariar a pressão sobre os combustíveis fósseis (com todos os efeitos que isso acarreta).
2) O preço do petróleo continuará a aumentar, pelo motivo apresentado em 1.
3) Não me parece difícil acreditar que o Brasil irá constituir um fundo soberano com as receitas das exportações petrolíferas (mas que não o investirá, à la Angolana, em Portugal).
4) Ao mesmo tempo de 3 (ou um pouco antes), Portugal continua a ter oportunidades de negócio no Brasil, e pode mesmo perfilar-se como um parceiro vital no desenvolvimento Brasileiro. Para tal, basta ver que já existem construtoras nacionais envolvidas em projectos de barragens, depois virão os empreendimentos, ...
5) Para uma economia como a Portuguesa, que desespera por uma oportunidade, parece-me óbvio que o sector das renováveis é uma excelente ideia. Por um lado, inovamos e exportamos inovação, por outro, reduzimos a dependência de combustíveis fósseis, cujo preço tenderá a crescer.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O preço das consolas de ontem e hoje

O Youtube sugeriu-me um vídeo baseado no artigo Are the PS4 and Xbox One really that expensive, historically? Olhando para o título, imaginei que iriam fazer o argumento que esta geração de consolas é mais acessível aos consumidores que as consolas da geração anterior.

À primeira vista, parece-me uma hipótese verdadeira. Primeiro, porque a PS3 entrou no mercado com o preço de 600€ e a PS4 entra com 400€. Segundo, mesmo que fosse 400€ nos dois casos, 400€ hoje não são o mesmo que 400€ há uma década. Com isto quero dizer que com 400€ conseguia comprar mais bens há uma década, do que consigo agora com os mesmos 400€ devido à inflação.

Para tornar os preços comparáveis, Jonathan Gitlin e Kyle Orland, os autores do artigo, incorporaram a inflação nos preços das consolas antigas. Essencialmente, estamos a dizer a que preço essas consolas seriam vendidas hoje.

Daqui
Teria algum gozo em fazer o mesmo para Portugal, mas para isso teria que saber a que preço algumas das consolas foram vendidas em Portugal. Infelizmente, não consigo encontrar esses dados.

Passando para a economia da coisa, não tenho grandes problemas com este método de actualizar preços. Mas não é, a meu ver, a melhor maneira de argumentar que esta "esta geração de consolas é mais acessível" que a anterior. O facto de a PS3 custar menos que, por exemplo, a PlayStation original, cujo preço actualizado é $459, significa que a série PlayStation tornou-se mais barata relativamente aos bens que compõem o cabaz do Índice de Preços no Consumidor.

Se quiséssemos fazer o argumento de é mais fácil comprar PS3 em 2013 do que uma PS2 em 2000, por mim bastava a ver porção do rendimento que teria que ser destinada à compra de uma PlayStation nesses anos. Se, por exemplo, era preciso gastar 10% do rendimento na compra de PS2 em 2000, e apenas 8% para a PS3 em 2013, então sim, podemos dizer que «esta geração de consolas é mais acessível aos consumidores que as consolas da geração anterior».

Agora, em termos práticos, temos que perguntar que o rendimento a utilizar? O médio? O mediano? O per capita? O disponível? O líquido? Por nos poupar a estas perguntas, e outros tantos pormenores, fica muito mais fácil utilizar o IPC, principalmente quando i) os salários e os preços crescem a ritmos muito próximos ou iguais, ii) se o cabaz do IPC for ajustado para reflectir os padrões de consumo.

Era só para dizer que há mais de uma maneira de se esfolar um gato.