O que ensina o latim...

"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Preso por ter cão e preso por não o ter




Como é sabido, realizam-se no próximo dia 28 de Setembro as primárias que elegerão o “candidato a primeiro-ministro”, por parte do Partido Socialista, às Legislativas de 2015.
Não venho para aqui discutir a campanha, as “propostas”, o “messianismo” dos candidatos, as “traições”, os “debates”, o falatório, as birras, os “apoios”, as federações e essa estirpe de coisas que entretém os noticiários e que, no fundo, não são nada de novo nesta democracia com pouca alternativa e muita alternância. Venho, sim, como militante que sou da intervenção cidadã e da independência de raciocínio, deixar um comentário às críticas que o processo tem merecido por parte de algumas pessoas (como foi o caso de António Barreto).

A maior crítica apontada às eleições primárias é a de que elas representam a incapacidade das estruturas internas dos partidos de decidir o melhor para o país. Mas, durante anos a fio, estes mesmos partidos assistiram impávidos à sua própria descredibilização, exactamente à conta da excessiva “capacidade” em proceder a essas escolhas, ignorando sem apelo nem agravo (como ainda hoje se ignora) o contributo de movimentos de cidadãos independentes, petições e iniciativas afins. Tendo, também e evidentemente, outras causas, este monopólio de decisão dos partidos (internamente e na Assembleia da República) resultou no que hoje se vê como o maior alheamento por parte dos cidadãos que há memória desde 1974.

António Barreto diz que esta iniciativa «é o mais forte ataque à democracia portuguesa». Bom, não consta que os Estados Unidos da América, onde a eleição presidencial é precedida de primárias no Partido Democrata e no Partido Republicano, seja uma democracia fraca. Muito pelo contrário. Não haverá provavelmente no Mundo (sem conhecê-las a todas) democracia em que os cidadãos se mobilizem tanto como naquela, seja em causas políticas ou humanitárias.
No entanto, há uma crítica de Barreto que eu partilho e que entronca num imbróglio jurídico por resolver. Nestas eleições, está em jogo o “candidato a primeiro-ministro” e não o secretário-geral do PS. Ora, sucede-se que, na Constituição Portuguesa, as eleições legislativas não elegem o primeiro-ministro. Elegem deputados para a AR, por representação proporcional, em listas distritais apresentadas pelos partidos concorrentes. Dados os resultados eleitorais, os deputados eleitos (ou melhor, os partidos por eles) indicam ao Presidente da República uma pessoa (normalmente, do partido mais votado) que o indigita, ou não, para formar governo.
Ou seja, na prática, estas primárias não servem de nada. Dependem sempre de uma “declaração de princípio” por parte do líder do PS: primeiro passo, ceder o lugar (estatutariamente, sabe-se lá como...) ao vencedor dessas eleições (que pode ser o anterior ou um novo) e, segundo passo, comprometer o partido a indicar o vencedor dessas primárias para formar governo (caso o PS seja o mais votado nas legislativas). Tirando este pequeno grande pormenor, esta abertura do PS só pode ser benéfica para a democracia.

Não se pode, pois, criticar os partidos por nada fazerem para inverter o descrédito em que caíram e, ao mesmo tempo, contrariar as suas iniciativas para se abrirem à “sociedade civil” e a outros movimentos!

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A Verdade é uma Arte

Para marcar o meu regresso ao mundo da palavra escrita, partilho convosco uma verdade que tanto me deu de rir como de pensar neste interlúdio. Vai valer a pena descobrir as verdades desta verdade.

Enquanto passeava pelos canais de televisão, caio num programa que reuniu um painel de Presidentes de Câmara para comentar os quarenta anos do 25 de Abril. Comentado isto e aqueloutro, o assunto veio para as Câmaras e as suas dívidas. E o que mais me recordo é de alguém disparar da boca para fora qualquer coisa como:
«As autarquias não contribuem para o défice. Aliás, até damos lucro ao Estado.»
Dizer que as autarquias "não contribuem para o défice [do Estado]" requer uma manobra contabilística tão boa como a do Pingo Doce ir pagar os impostos à Holanda. Brinco, mas a verdade é que o superavit das autarquias não passa de uma ilusão contabilística.

Se olharmos para as autarquias como entidades individuais, é bem provável que algumas delas até terminem o ano com um saldo contabilístico positivo. Contudo, sendo as autarquias parte do Estado, consolidando as contas, elas são - quase de certeza na sua totalidade - deficitárias.

Porquê a diferença? Quando vemos as contas não estão consolidadas das autarquias, as transferências do Estado surgem como uma Receita nas contas das autarquias. Quando consolidamos as contas para o Estado como um todo, o dinheiro que vem de um lado do Estado para o outro lado do Estado não é contabilizado, porque no fundo trata-se do mesmo organismo.

Vejamos então os números:

Receitas e Despesas da Administração Local*

Fonte: Relatório do OE14201220132014
Receita Efectiva
Receita fiscal222123372530
da qual:IMI123013591530
IMT386367385
Transferências376337953516
das quais:Das Adm. Públicas25514572894
União Europeia7491641491
Outra165616411351
Subtotal764077737397
Despesa Efectiva
CorrentePessoal224124192241
Outra269130682563
Capital196322331725
Subtotal689577206529
Saldo Global74553868
Saldo s/ transferências-1806-404-2026
*Além dos municípios, inclui as freguesias.

O saldo global confirma a verdade proferida pelo tal Presidente de Câmara, em que as autarquias geram "lucro para o Estado". Retirando as transferências do Estado para o Estado, vemos que as autarquias têm tanto de lucro como a CP.

Isto da verdade é só truques e há para todos os gostos. Mas em contexto, só uma é de interesse. E neste caso, para saber que subsector do Estado sustem o outro, a verdade é esta: as autarquias dependem da Administração Central.

Como nota final, tenho a salientar não que o saldo da administração local não me incomoda. Como cidadão, apenas desejo que o Estado exerça as funções que a sociedade lhe exige nos melhores modos possíveis. Se nesta atribuição de tarefas, acontece que a Administração Local exerce as suas actividades com um défice ou superavit é de pouca importância. O que realmente importa é que se trabalhe com eficiência e que o Estado como um todo tenha finanças sustentáveis.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Primárias no PS: Previsões

Caríssimo leitor, após um interregno para férias, cá estou de volta às lides contraditórias. Em jeito de rentré politique, abordarei aquilo que me parece ser a tendência para os possíveis resultados das primária do Partido Socialista. Aproveito desde já para esclarecer que não tenho qualquer experiência como analista político e que não me inscreverei como simpatizante do PS para votar nas primárias de 25 de Setembro. Por esse mesmo motivo, não acompanhei as eleições federativas no mesmo PS e não me pronunciarei sobre elas.

Antes de mais, todas as informações oficiais acerca das ditas eleições estão disponíveis em https://www.psprimarias2014.pt/

Começando por comentar o número de inscritos nestas eleições, o Observador revela que, a dia 4 de Setembro, apenas 55 mil cidadãos se tinham inscrito como simpatizantes do PS para votar nas eleições primárias. Se somarmos a este número os cerca de 50 mil militantes com quotas pagas [em 2012], temos 105 mil inscritos na disputa Seguro/Costa. Para ser um pouco mais benevolente com os números, digamos que entre "simpatizantes de última hora" e militantes que regularizaram as quotas desde 2012 (esperemos que não à la Braga) se chega aos 125 mil votantes. Segundo a CNE, nas últimas Europeias [Maio deste ano] estavam inscritos mais de 9,75 milhões de eleitores, o que significa que apenas 1,3% do universo de eleitores nacionais escolherão entre os dois Antónios. Quando considerada a proporção destes no número de votantes das eleições do passado Maio (recorde-se que as Europeias nunca são as eleições mais votadas), este número sobe para 3,8%. Para mim, este número é bastante elucidativo na importância dada pelos Portugueses a esta escolha...

Em segundo lugar, os candidatos. De um lado, António Costa, numa demanda que faz lembrar el-rei D. Sebastião regressado do norte de África. Apresenta-se como vencedor indiscutível das eleições, reunindo apoios de peso, dentro e fora do partido. Num discurso que já soa a Primeiro-Ministro, evocando outro suspirado pretendente a D. Sebastião, Costa vai enchendo salas e ruas à sua passagem.

No lado oposto, temos António José Seguro, líder de orgulho ferido, sentindo-se traído e disposto a tudo para manter "o seu trono". Com menores apoios, vai recorrendo ao ataque para se tentar manter na corrida pelas legislativas, já que não se demite enquanto não for arrancado da liderança do partido.


Passando agora aos resultados possíveis, fica acima uma sondagem publicada em Junho. Não sendo a fonte da sondagem a melhor [Correio da Manhã], os números parecem-me plausíveis. Que Costa ganhará a Seguro, não me parecem restar muitas dúvidas. No entanto, duvido piamente que ganhe pela vantagem sugerida pela sondagem. Parece-me que os debates poderão mudar muita coisa e que Seguro tenha alguns truques na manga, duvido que seja tão ingénuo como se pensa.

Sobre umas legislativas Passos/Seguro, também tendo a concordar com os números. "Antes mal que pior" parece-me o raciocínio mais lógico para este confronto. Juntando a isto a lenta recuperação que temos vindo a verificar, penso que Passos não teria grandes dificuldades em manter-se à frente dos destinos do país. Sem maioria absoluta será também o cenário mais provável.

Finalmente, o caso mais interessante, um confronto Passos/Costa. Segundo a Aximage, Costa venceria numa proporção de 2-1 (não esquecendo que as legislativas terão mais partidos). No entanto, quando verificamos o evolutivo das sondagem para as legislativas (entre partidos), o caso muda de figura. Na sondagem mais recente da Universidade Católica/CESOP, a proporção entre PS/PSD cai para 1.2-1. Se somarmos ao PSD o CDS (reeditando a actual coligação), o PS vence por 2 pontos percentuais (36%  contra 34% da coligação).

Posto tudo isto, podemos retirar algumas ilações destas primárias. A primeira é que aquilo que para o PS pareceu uma ideia inovadora e integradora da sociedade civil, parece estar a "sair furada". A adesão da sociedade civil é mínima e a representação do eleitorado português nas eleições é, no mínimo, ridícula. Em segundo lugar, enquanto Costa e Seguro se gladiam pela liderança do PS nas próximas legislativas, Passos (e Portas) desfruta(m) do espectáculo na tribuna, sem qualquer desgaste político (além do inerente à governação). A meu ver, este factor poderá ser determinante em 2015, já que o PS se está a expor (demasiado, a meu ver) com esta eleição. Em terceiro lugar, ainda teremos (já após as eleições primárias) a discussão do Orçamento de Estado para 2015. Será aqui que a pré-campanha terá o seu verdadeiro início, e a partir daqui que se verão sondagens mais "realistas", digamos assim.

Portanto, a minha sugestão é simples: sentem-se, tragam pipocas, e apreciem o espectáculo.