O que ensina o latim...

"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Requintes na ordinarice


Ponto prévio: Não gosto de Cavaco Silva. Faço-lhe muitas críticas, entre elas, aquele seu tique recorrente de nomear a classe política como se não lhe pertencesse. A que se junta uma infinita tentação de “sacudir a água do capote“ (como foi exemplo o episódio do "irrevogável" Portas), que em muito nos foi prejudicial, quando, nomeadamente, o governo Sócrates “encanou a perna à rã” para evitar ao limite o resgate da troika. E uma certa vaidade e altivez, bem típicas das figuras públicas portuguesas.
Mas, não obstante, respeito as suas origens e, de certa forma, admiro a maneira como subiu na vida, à custa de muito esforço e trabalho, mas também sorte que sempre é precisa.
Contudo, o que Clara Ferreira Alves veio dizer, no último Eixo do Mal, é absolutamente gratuito e grave para alguém com a sua exposição pública. Talvez um rápido olhar para si própria e para algumas pessoas que tanto estima pudesse ter evitado tal gratuitidade.

Porque requintado é pertencer à “esquerda caviar”, isto é, aquele conjunto de pessoas que, na teoria, pregam que a riqueza deve ser irmãmente distribuída por todos os cidadãos, sem critério de mérito ou necessidade, mas que, na prática, levam uma vida cheia de fausto e “requinte” (embora sem gravata), a comer do bom e do melhor, a viajar por Paris, Nova Iorque e Sydney, a frequentar as grandes salas de concertos, a comprar roupa cara, etc..
Requintado é nascer em Lisboa, ter “o rei na barriga”, incluindo uma fundação particular paga a dinheiros públicos, e passear pelo Mundo à pala do Estado, como Mário Soares, de quem CFA tanto gosta!
Requintado é ser-se primeiro-ministro e perder o norte em festas infindavelmente “animadas”, como era hábito em Santana Lopes, por quem CFA nutre uma paixão já longínqua mas de certo modo adiada!
Requintado é estar-se atrás das grades, acusado de crimes gravíssimos de ganância que lesaram o Estado e os destinos do país em largos anos, beneficiando de cargos políticos para proveito pessoal, como é o caso de José Sócrates, de quem CFA também não consegue dizer mal!
Isso sim é requintado.

Porque alguém que nasce em Boliqueime, que em novo ajuda o pai nos campos, que vem para Lisboa estudar e trabalhar, sendo bolseiro da Fundação Gulbenkian, trabalhando no Banco de Portugal, doutorando-se em Inglaterra e chegando a Professor universitário (catedrático), que é ministro das finanças, primeiro, primeiro-ministro democrática e amplamente eleito em três ocasiões (duas das quais com maioria absoluta), segundo, e Presidente da República a fazer 10 anos (eleito duas vezes em sufrágio universal e directo), finalmente, só pode, isso sim, ser um “saloio”.

Pode-se criticar Cavaco Silva, e ele tem tanto que se lhe possa apontar, mas fazê-lo jocosamente em relação às suas origens e à sua “falta de maneiras” é de um snobismo inqualificável!
Sinceramente, não sei bem se caracterizar estas declarações como uma ordinarice é muito. Mas, para sorte de Clara Ferreira Alves, e azar (ao que parece) de Cavaco Silva, tal insulto veio embrulhado em requinte.
Se alguns podem esperar ansiosamente que “Cavaco abandone o Palácio e regresse à sua marquise”, outros (senão os mesmos) podem também ansiar que tirem o microfone e a câmara da frente desta senhora.
No fundo, é isto: Clara Ferreira Alves é Clara Ferreira Alves…

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Um jardim zoológico numa loja de porcelana

É difícil ficar indiferente aos acontecimentos da última semana que conduziram o Syriza ao poder na Grécia. Trata-se de um balão de ensaio para o resto da Europa. Uma situação curiosa e interessante, apenas porque não se passa no nosso país!
De facto, não gostava de estar na posição em que os gregos estão hoje. O seu futuro decide-se agora, tudo está em jogo. A economia, a democracia, o país.

A Grécia é um caso bicudo, triplicado em relação ao nosso. Uma economia decrépita que não se consegue diferenciar, uma sociedade desregrada com as manias do século XXI, um poder político desacreditado e nepotista, problemas sociais graves, a que se junta uma atitude social pouco pacifista, que nós felizmente não temos!

Sejamos sérios: os problemas da Grécia não nasceram com a troika, apenas não foram resolvidos com esta. Vêm de trás. Vão às raízes da maneira de ser enquanto povo. Que custa a acreditar como aquela terra, mãe da sociedade moderna, da democracia como a conhecemos no Mundo civilizado, caiu na desgraça em que está!


 
O Syriza aparece num contexto de messianismo. Diria até como a última solução no quadro democrático grego. Se esta falhar, falha o regime.
A estratégia é de alto risco e tem tudo para dar errado.
Em linhas gerais, o problema, segundo eles, é este: a Grécia tem uma dívida incomportável, não a consegue pagar. Os juros que dela resultam são muitos e "sugam" recursos aos salários e à economia. A austeridade da assistência financeira apenas serviu para pagar a dívida e os juros. Sacrificou "empregos" e "direitos", o que agravou o estado já antes mau da economia.
Solução, segundo eles: não pagar as amortizações e juros da dívida, que dão cabo do "Estado social", dos "direitos" e dos "salários", soltando os tais recursos financeiros para restaurar esse "Estado social", esses "direitos" e esses "salários". Ao mesmo tempo, devolver poder de compra à população, criar “empregos” e aumentar os tais “direitos”.
Analogamente, é como um cidadão desempregado e sobre-endividado que pede um crédito por telefone à Cofidis (daqueles com juros a 20%) para comprar um iPhone 4, mas depois decide não devolver o crédito, porque os encargos são muitos e precisa do dinheiro para comprar um iPhone 5... O dito cidadão acha que, com isso, corrige o seu endividamento e arranja trabalho... Chama-se fazer asneiras com o dinheiro que não é nosso!

Não se trata de uma questão de ideologia, mas de realismo. Alguém acredita mesmo que os problemas se resolvem assim e que a Grécia vai passar a crescer como nunca antes, ninguém será atacado pelo desemprego e pobreza e "vão vir charters", resmas de “carcanhol” para investir no país?
Então e onde puseram os 177% de dívida que têm hoje (depois de um primeiro perdão em 2012) e os 250 mil milhões que receberam de credores oficiais? Por que diabo hão-de ser os outros povos europeus a arcar com os erros e fantasias da sua política (que o vão ser: só a Portugal, a Grécia deve mil milhões)?
Então e com que dinheiro as empresas vão pagar um salário mínimo 150€ maior de um mês para o outro? Estão à espera de, com isso, criar emprego ou destruir o pouco que resta?
Tsipras e Varoufakis querem trazer o Chávismo para a Europa. Uma economia estatizada, baseada no consumo, na inflação e no petróleo. Mas, se o original já é mau, imagine-se a cópia... É que, a menos que com o dinheiro do “haircut” se ponham à busca de crude no adriático, não terão alternativa senão pedir emprestado para cumprir tais loucuras. E, aí, não há quem lhes passe “carcanhol” para a mão...

O Syriza quer jogar à roleta russa. Que o faça. Mas fora do Euro. Assim, já podem imprimir Dracmas a torto e a direito; já podem subsidiar tudo e todos, fazer investimento público, descer a idade da reforma, aumentar salários e contratar funcionários públicos; já podem nacionalizar a banca, a energia, as telecomunicações, as fábricas de sapatos, botões e sabonetes; já se podem aliar diplomaticamente aos russos, bielorrussos, venezuelanos, cubanos, norte-coreanos e gente amiga do género, isto é, aos modelos de desenvolvimento mundialmente reconhecidos como bem-sucedidos!
O início desta história parece uma fábula… A aliança entre um partido de “Esquerda Radical” (é o que Syriza quer dizer) e de extrema-direita nacionalista, religiosa e homofóbica (imagine-se em Portugal: um governo BE-PNR…), os conselhos de ministros em directo na TV, os assessores despedidos e as 600 empregadas de limpeza readmitidas no Ministério das Finanças (deve haver muito lixo para varrer naquele ministério...), o salário mínimo a 750€, a electricidade à borla para 300 mil pessoas (nem precisam de desligar TV, computadores, candeeiros… o Estado paga!), o desacordo com as sanções europeias à Rússia (Putin, coitado, esse exemplo do que é defender um Povo e uma Nação!)… e, claro, a bolsa a cair 12%, os juros da dívida a disparar e as pessoas a levantarem depósitosComo escreve Paulo Ferreira, “Uma nave de loucos no meio da tempestade perfeita”.
E eu diria: não é bem um elefante numa loja de porcelana. É um jardim zoológico inteiro!