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"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Um jardim zoológico numa loja de porcelana

É difícil ficar indiferente aos acontecimentos da última semana que conduziram o Syriza ao poder na Grécia. Trata-se de um balão de ensaio para o resto da Europa. Uma situação curiosa e interessante, apenas porque não se passa no nosso país!
De facto, não gostava de estar na posição em que os gregos estão hoje. O seu futuro decide-se agora, tudo está em jogo. A economia, a democracia, o país.

A Grécia é um caso bicudo, triplicado em relação ao nosso. Uma economia decrépita que não se consegue diferenciar, uma sociedade desregrada com as manias do século XXI, um poder político desacreditado e nepotista, problemas sociais graves, a que se junta uma atitude social pouco pacifista, que nós felizmente não temos!

Sejamos sérios: os problemas da Grécia não nasceram com a troika, apenas não foram resolvidos com esta. Vêm de trás. Vão às raízes da maneira de ser enquanto povo. Que custa a acreditar como aquela terra, mãe da sociedade moderna, da democracia como a conhecemos no Mundo civilizado, caiu na desgraça em que está!


 
O Syriza aparece num contexto de messianismo. Diria até como a última solução no quadro democrático grego. Se esta falhar, falha o regime.
A estratégia é de alto risco e tem tudo para dar errado.
Em linhas gerais, o problema, segundo eles, é este: a Grécia tem uma dívida incomportável, não a consegue pagar. Os juros que dela resultam são muitos e "sugam" recursos aos salários e à economia. A austeridade da assistência financeira apenas serviu para pagar a dívida e os juros. Sacrificou "empregos" e "direitos", o que agravou o estado já antes mau da economia.
Solução, segundo eles: não pagar as amortizações e juros da dívida, que dão cabo do "Estado social", dos "direitos" e dos "salários", soltando os tais recursos financeiros para restaurar esse "Estado social", esses "direitos" e esses "salários". Ao mesmo tempo, devolver poder de compra à população, criar “empregos” e aumentar os tais “direitos”.
Analogamente, é como um cidadão desempregado e sobre-endividado que pede um crédito por telefone à Cofidis (daqueles com juros a 20%) para comprar um iPhone 4, mas depois decide não devolver o crédito, porque os encargos são muitos e precisa do dinheiro para comprar um iPhone 5... O dito cidadão acha que, com isso, corrige o seu endividamento e arranja trabalho... Chama-se fazer asneiras com o dinheiro que não é nosso!

Não se trata de uma questão de ideologia, mas de realismo. Alguém acredita mesmo que os problemas se resolvem assim e que a Grécia vai passar a crescer como nunca antes, ninguém será atacado pelo desemprego e pobreza e "vão vir charters", resmas de “carcanhol” para investir no país?
Então e onde puseram os 177% de dívida que têm hoje (depois de um primeiro perdão em 2012) e os 250 mil milhões que receberam de credores oficiais? Por que diabo hão-de ser os outros povos europeus a arcar com os erros e fantasias da sua política (que o vão ser: só a Portugal, a Grécia deve mil milhões)?
Então e com que dinheiro as empresas vão pagar um salário mínimo 150€ maior de um mês para o outro? Estão à espera de, com isso, criar emprego ou destruir o pouco que resta?
Tsipras e Varoufakis querem trazer o Chávismo para a Europa. Uma economia estatizada, baseada no consumo, na inflação e no petróleo. Mas, se o original já é mau, imagine-se a cópia... É que, a menos que com o dinheiro do “haircut” se ponham à busca de crude no adriático, não terão alternativa senão pedir emprestado para cumprir tais loucuras. E, aí, não há quem lhes passe “carcanhol” para a mão...

O Syriza quer jogar à roleta russa. Que o faça. Mas fora do Euro. Assim, já podem imprimir Dracmas a torto e a direito; já podem subsidiar tudo e todos, fazer investimento público, descer a idade da reforma, aumentar salários e contratar funcionários públicos; já podem nacionalizar a banca, a energia, as telecomunicações, as fábricas de sapatos, botões e sabonetes; já se podem aliar diplomaticamente aos russos, bielorrussos, venezuelanos, cubanos, norte-coreanos e gente amiga do género, isto é, aos modelos de desenvolvimento mundialmente reconhecidos como bem-sucedidos!
O início desta história parece uma fábula… A aliança entre um partido de “Esquerda Radical” (é o que Syriza quer dizer) e de extrema-direita nacionalista, religiosa e homofóbica (imagine-se em Portugal: um governo BE-PNR…), os conselhos de ministros em directo na TV, os assessores despedidos e as 600 empregadas de limpeza readmitidas no Ministério das Finanças (deve haver muito lixo para varrer naquele ministério...), o salário mínimo a 750€, a electricidade à borla para 300 mil pessoas (nem precisam de desligar TV, computadores, candeeiros… o Estado paga!), o desacordo com as sanções europeias à Rússia (Putin, coitado, esse exemplo do que é defender um Povo e uma Nação!)… e, claro, a bolsa a cair 12%, os juros da dívida a disparar e as pessoas a levantarem depósitosComo escreve Paulo Ferreira, “Uma nave de loucos no meio da tempestade perfeita”.
E eu diria: não é bem um elefante numa loja de porcelana. É um jardim zoológico inteiro!

1 comentário:

  1. Bem escrito, lúcido e corajoso no meio de tanto povo a gritar "Nós podemos!" (Espanha) e "a Europa está a mudar" (BE, pelo menos). Parabéns

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