O que ensina o latim...

"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

sábado, 7 de dezembro de 2013

Ensinamentos: Doença Holandesa

Contextualizando um pouco o tema, a questão prende-se com o início da exploração de um qualquer recurso natural que atinge um peso substancial nas exportações de uma economia. Naturalmente, se este recurso for abundante e rentável, haverá condições para a entrada de mais empresas no mercado.

Assim, a Doença Holandesa consiste no problema criado por um grande fluxo de entrada de moeda estrangeira por via do elevado fluxo exportador criado pela descoberta deste recurso. Este problema pode trazer duas graves consequências para a economia:
i) A entrada de moeda estrangeira levará a uma apreciação da moeda nacional, o que implica uma perda de competitividade do país. Isto significa que as importações se tornam mais baratas para os importadores nacionais e as exportações mais caras para os importadores externos.
ii) O embaratecimento das importações leva a que se substitua produção nacional (industrial) por produtos importados, o que a médio prazo mina a actividade industrial da economia.

O nome de "Doença Holandesa" prende-se com a escalada dos preços do gás na Holanda, em 1960, o que levou à apreciação do Florim e a um aumento das importações, diminuindo a competitividade da indústria holandesa nas décadas seguintes. Este aumento de preços derivou da descoberta de reservas de gás natural no Mar do Norte.


Gráfico 1: Apreciação da moeda derivada de um aumento de exportações (DEM/NLG).

Gráfico 2: Alteração do peso dos sectores extractivo (petróleo e gás natural) e industrial.

Assim, os governos têm alguns mecanismos para tentar solucionar esta questão:
i) Imposição de quotas à exportação deste produto, limitando a entrada anual de divisas por esta via e garantindo um retorno mais prolongado para as empresas exportadoras;
ii) Restrição do número de empresas no mercado, na tentativa de limitar a oferta do recurso natural, tendo em vista os mesmos resultados de i.
iii) Constituição de Fundos Soberanos, investindo internamente o excesso de moeda estrangeira que tenham, impedindo a desindustrialização da economia e o aumento desmesurado das importações.

NOTA: Os gráficos foram retirados de http://campelodemagalhaes.wordpress.com/2012/06/28/a-doenca-holandesa/, tratando-se do caso original holandês.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Notas (in)constitucionais

Está na moda e fica bem defender a Constituição. No entanto, desconfio seriamente que metade das pessoas que hoje o fazem não faz a mínima noção do que lá está escrito, assumindo que sabem que la já existia antes de 2011 e que entendem para o que ela serve (o que também não é líquido)...
A Constituição é então a lei fundamental do país. Consagra, em termos genéricos, os princípios pelos quais a sociedade se deve reger, na esfera política, económica e social, bem como os direitos, liberdades e garantias de que os cidadãos se podem valer. Por ser a lei maior, nenhuma outra lei interna pode ir contra o que ela dispõe, salvo se for para transpor para o ordenamento jurídico português leis e acordos internacionais, desde que o país haja sido envolvido no processo de aprovação destas mesmas. Há, contudo, duas possibilidades de suspensão da panóplia de liberdades e garantias que a Constituição contempla: o caso de Portugal entrar em conflitos armados ou se for decretado o estado de sítio.

A CRP foi aprovada em 1975. Desde então, como é natural, teve de sofrer actualizações/revisões. Mas nem sequer essa necessidade é assumida por muito boa (e má) gente, que julga que, porque a CRP é um dos símbolos de "Abril", deve permanecer intacta (provavelmente até ao fim dos seus dias, que origine o fim dos dias do país...). Pergunte-se ao vasto leque de sindicalistas, que vão para as "manifs" distribuir o documento ao povo, se concordam com as revisões constitucionais levadas a cabo e concluir-se-á que não (embora não saibam dizer porquê...).

Pois bem, esta Constituição que está óptima e não precisa de ser revista diz-nos, logo no seu preâmbulo (coisa que, embora não sirva para muito, é simbólica do que se lhe segue), que Portugal deve "abrir caminho para uma sociedade socialista" (ver imagem). Desconfio que a continuação "no respeito pela vontade do povo português" tenha sido uma exigência de última da hora dos partidos não-comunistas... Todavia, tenho a reconhecer que naqueles anos (74, 75, 76, ...), até Freitas do Amaral discursava por uma sociedade sem classes, sem ter a exacta noção do que andava a dizer (acho).


Logo a seguir, no corpo do documento, temos os inequívocos artigos 1º e 2º, que dizem que Portugal é uma nação democrática e soberana. Democrática até admito que seja, embora para mim esse seja um qualificativo mais vasto do que eleições de 4 em 4 anos, nas quais em média se abstêm de votar 40% dos cidadãos eleitores.
Quanto à "soberania", não será preciso dizer muito. É verdade que o país tem 8 séculos de história, mantém as suas fronteiras mais ou menos inalteradas desde essa altura e aparentemente os seus órgãos de soberania exercem livremente funções. Digo aparentemente por óbvias razões. Em primeiro lugar, porque o país, mesmo em estado normal de funcionamento ("sem crise"), não poderia dispor livremente sobre vários domínios económicos e sociais, já que algumas dessas competências estão nas mãos das instâncias europeias (e de outros países, por arrasto). Em segundo, se é líquido que Portugal não está em "estado normal de funcionamento" (dado o período de assistência da troika), dever-se-ia considerar que a pátria de soberana tem muito pouco nesta altura.
Ou seja, para ficar actual e real, nesses artigos deveria constar qualquer coisa como "Portugal é uma nação 70% democrática, e 20% soberana até Junho de 2014 (se não for mais tarde), sendo-o 40% daí em diante".
Esta é a Constituição que "garante" um serviço nacional de saúde "universal" e "tendencialmente gratuito" (art. 64º, n. 2, al. a)). Universal é lógico que tem de ser, mas dentro desse universo nem todos têm a mesma capacidade contributiva, pelo que aos que mais têm deveria ser pedido um contributo equivalente ao que custa prestar esse serviço (além dos impostos). Mas não! Já para introduzir taxas moderadoras foi uma guerra e outra maior seria se o "tendencialmente gratuito" passasse a "comparticipado de acordo com a capacidade económica dos utentes". O modelo de financiamento actual do SNS apenas garante que este ficará "tendencialmente falido" a médio-prazo.
Entre outras coisas, esta é a Constituição que permite ao "povo" empobrecer através da inflação, não aceitando, em alternativa, planos de austeridade. Se assim não fosse, o Portugal do pós-25/4 até 1985 seria declarado inconstitucional - período em que se chegou a registar 29% de inflação anual (ver gráfico).
Fonte: PORDATA
Tal como escrito acima, esta é a Constituição que ignora o facto de o país não ter todos os instrumentos de política económica que lhe permitam ajustar-se à conjuntura. O caso mais gritante é o da política monetária e cambial, hoje sob alçada do BCE. Era costume (tal como em qualquer outro país) o BdP variar a taxa de juro, o volume de moeda e a taxa de câmbio para fazer face ao ciclo (nível dos preços, finanças públicas ou nível de produto). Hoje, nada disto está nas mãos das autoridades nacionais e a única maneira possível de ajustar as coisas é pelo lado orçamental e fiscal (e mesmo aqui a Alemanha pretende impedir que os países façam o que lhes bem quer e apetece). O resultado é a mais elevada carga tributária da Europa.

Esta é a Constituição que mais separa os eleitores dos eleitos, que permite aos partidos serem "compartimentos estanques", fechados à mudança e aos cidadãos que não fazem da política uma missa ou um jogo de futebol. Ela impede, por exemplo, que um grupo de cidadãos independentes se candidate à "casa do povo" sem que tenham de formar um partido e é a responsável pelo facto de, legislatura-após-legislatura, os portugueses não conhecerem nem 1/10 dos deputados daquela casa...
Esta é a Constituição-maravilha que torna a única figura do Estado eleita por sufrágio universal e directo num actor "tendencialmente irrelevante". A velha história de que o Presidente da República tem o "poder da palavra" é um embuste. Bem podemos agradecer esta obra-prima ao grande e honroso Mário Soares que, à pala duma quezília pessoal (como é seu hábito), com a conivência de Mota Pinto, decidiu em 1982 tal reforma anti-Ramalho Eanes, retirando ao PR a possibilidade de demitir o governo (sem dissolver a AR) e formar executivos de iniciativa presidencial. Fórmula essa que hoje daria um jeitão! É em parte esse o sistema que vigora em França, onde o Presidente pode, se assim entender, presidir ao Conselho de Ministros e o Primeiro-Ministro é figura secundária.

Com tudo isto e muito mais, quem acha que a CRP não precisa de uma reforma, ou não vive em Portugal, ou não está a ver bem as coisas.
Posto isto, adapta-se bem uma célebre frase de outros tempos: A CRP tem coisas úteis e coisas interessantes. Pena é que as coisas úteis não sejam interessantes e as interessantes não sejam úteis!

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Afirmo aquilo que não digo

Trago hoje três artigos que tratam exactamente o mesmo: um deles do iOnline, outro do SOL e, finalmente, um do Público. O tema? A riqueza dos ricos. O que me irrita nestes três artigos? 

Lead do iOnline: «A austeridade, quando nasce, não é para todos. Os 25 mais ricos de Portugal são hoje donos de 10% do PIB quando há um ano as suas fortunas não chegavam aos 8,5% do PIB»

Sub-título do Público: «Fortunas dos 25 mais ricos correspondem a 10% do PIB nacional.»

Corpo da notícia do SOL: «Segundo as contas da publicação, o total das 25 maiores fortunas equivale, em 2013, a 10% do produto interno bruto (PIB) nacional, quando em 2012 representava 8,4%.»

Em comum têm o facto de comparar riqueza com o PIB. Pormenores:

i) A riqueza é o acumular de poupança de períodos anteriores; o PIB é a criação de riqueza num único período.
Se o PIB descer num ano por qualquer razão, mantendo a riqueza praticamente constante, então dá a sensação que os ricos estão mais ricos mesmo que a distribuição da riqueza mantenha-se igual.
ii) Sendo um rácio, pode aumentar porque: i) a riqueza aumenta, ii) o PIB diminui, iii) uma combinação de i) e ii), iv) percentualmente, o PIB decresce mais que a riqueza.
Lendo os artigos, sei que foi devido à iii) - os ricos ficaram mais ricos, e o todo ficou mais pobre. O que nos leva a...
iii) O título do artigo não bate com a métrica - usam a medida de riqueza errada.
Se é para dizer que os ricos estão mais ricos, reportem em quanto a riqueza do top 25 aumentou - 16%. Se é para dizer que a desigualdade aumentou, não inventem - usem o índice de Gini; ou, para ser mais específico aos ricos dos ricos, reportem a fatia dos 1% mais ricos no rendimento nacional. Para ser justo, eles (não) tentam fazer isto à sua própria maneira.
 iv) Um rácio esconde muita coisa, e o artigo alimenta uma interpretação errónea.
Quem lê o artigo, fica com a ideia que houve uma redistribuição da riqueza dos pobres p'ós ricos - basta ler os comentários. Mas a verdade é que a riqueza dos ricos de Portugal pode ter aumento graças a factores que nada têm a ver com Portugal. Isso não consegues ver no rácio. No caso do Américo Amorim, prende-se com a Galp e as concessões desta no estrangeiro.

Através de i) e iii), mais a ii) para quem não lê a notícia, a maior parte das pessoas chega à iv). Eu culpo as três redacções mais a Lusa.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O Futuro da Energia

Terça-feira, dia 12 de Novembro, a International Energy Agency apresentou o World Energy Outlook, onde prevê que o consumo de energia a nível global aumentará cerca de um terço até 2035. Outros dados interessantes prendem-se com o facto de o crescimento das renováveis apontar para, nesse momento, uma "quota de mercado" de 25% (em 2012 era de 18%). Isto significa que o crescimento do consumo de energia não será baseado numa troca de combustíveis fósseis por fontes de energia "limpas", mas sim por um crescimento de ambas as fontes (como se pode constatar no gráfico abaixo).

Um caso que merece destaque é o Brasileiro, que se prevê triplicar a sua extracção de petróleo. No entanto, a previsão da sua estrutura de consumo energético aponta para a exportação de crude, já que o seu consumo não deverá ultrapassar os 20% do total (comparando com os cerca de 55-60% a nível global). A sua grande fatia de energia disponível para consumo deverá ser produzida por via hidroeléctrica (cerca de 60% do total), enquanto a energia nuclear ocupará um lugar residual (globalmente será cerca de 5-10% da energia disponível).



Não me parece muito difícil prever que o grande crescimento económico mundial até 2035 estará dividido entre China e Índia. Assim, e olhando para o gráfico acima, verificamos que o crescimento do consumo de energia está eminentemente associado ao crescimento económico, já que se prevê que a esmagadora maioria do aumento da procura de energia seja dividida entre os países não-membros da OCDE, de onde se destacam os Asiáticos (China e Índia). Aliás, a previsão aponta para que em 2035, a China consuma tanta energia como a Europa e os EUA juntos.

Portanto, somando tudo isto, o que parece simples de concluir é que:
1) O desenvolvimento de energias renováveis não se apresenta rápido o suficiente para contrariar a pressão sobre os combustíveis fósseis (com todos os efeitos que isso acarreta).
2) O preço do petróleo continuará a aumentar, pelo motivo apresentado em 1.
3) Não me parece difícil acreditar que o Brasil irá constituir um fundo soberano com as receitas das exportações petrolíferas (mas que não o investirá, à la Angolana, em Portugal).
4) Ao mesmo tempo de 3 (ou um pouco antes), Portugal continua a ter oportunidades de negócio no Brasil, e pode mesmo perfilar-se como um parceiro vital no desenvolvimento Brasileiro. Para tal, basta ver que já existem construtoras nacionais envolvidas em projectos de barragens, depois virão os empreendimentos, ...
5) Para uma economia como a Portuguesa, que desespera por uma oportunidade, parece-me óbvio que o sector das renováveis é uma excelente ideia. Por um lado, inovamos e exportamos inovação, por outro, reduzimos a dependência de combustíveis fósseis, cujo preço tenderá a crescer.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O preço das consolas de ontem e hoje

O Youtube sugeriu-me um vídeo baseado no artigo Are the PS4 and Xbox One really that expensive, historically? Olhando para o título, imaginei que iriam fazer o argumento que esta geração de consolas é mais acessível aos consumidores que as consolas da geração anterior.

À primeira vista, parece-me uma hipótese verdadeira. Primeiro, porque a PS3 entrou no mercado com o preço de 600€ e a PS4 entra com 400€. Segundo, mesmo que fosse 400€ nos dois casos, 400€ hoje não são o mesmo que 400€ há uma década. Com isto quero dizer que com 400€ conseguia comprar mais bens há uma década, do que consigo agora com os mesmos 400€ devido à inflação.

Para tornar os preços comparáveis, Jonathan Gitlin e Kyle Orland, os autores do artigo, incorporaram a inflação nos preços das consolas antigas. Essencialmente, estamos a dizer a que preço essas consolas seriam vendidas hoje.

Daqui
Teria algum gozo em fazer o mesmo para Portugal, mas para isso teria que saber a que preço algumas das consolas foram vendidas em Portugal. Infelizmente, não consigo encontrar esses dados.

Passando para a economia da coisa, não tenho grandes problemas com este método de actualizar preços. Mas não é, a meu ver, a melhor maneira de argumentar que esta "esta geração de consolas é mais acessível" que a anterior. O facto de a PS3 custar menos que, por exemplo, a PlayStation original, cujo preço actualizado é $459, significa que a série PlayStation tornou-se mais barata relativamente aos bens que compõem o cabaz do Índice de Preços no Consumidor.

Se quiséssemos fazer o argumento de é mais fácil comprar PS3 em 2013 do que uma PS2 em 2000, por mim bastava a ver porção do rendimento que teria que ser destinada à compra de uma PlayStation nesses anos. Se, por exemplo, era preciso gastar 10% do rendimento na compra de PS2 em 2000, e apenas 8% para a PS3 em 2013, então sim, podemos dizer que «esta geração de consolas é mais acessível aos consumidores que as consolas da geração anterior».

Agora, em termos práticos, temos que perguntar que o rendimento a utilizar? O médio? O mediano? O per capita? O disponível? O líquido? Por nos poupar a estas perguntas, e outros tantos pormenores, fica muito mais fácil utilizar o IPC, principalmente quando i) os salários e os preços crescem a ritmos muito próximos ou iguais, ii) se o cabaz do IPC for ajustado para reflectir os padrões de consumo.

Era só para dizer que há mais de uma maneira de se esfolar um gato.

sábado, 26 de outubro de 2013

Integração Europeia: boas e más ideias

Segundo o Público, a União Europeia prepara-se para eliminar as tarifas de roaming dentro do espaço europeu. Esta medida tem como objectivo aproximar a economia europeia dos EUA e da Coreia do Sul no que respeita ao desempenho do sector das telecomunicações, sendo aplicada em diversas frentes, a saber: "simplificar a regulamentação ao propor aos operadores um único ponto de entrada para os 28 países da UE, melhorar as ligações, coordenando com maior eficácia o acesso ao espectro radioeléctrico para desenvolver o 4G, assegurar uma Internet aberta, impedindo os operadores de bloquear o acesso a determinados conteúdos". Deste modo, os impactos da medida vão muito além do sector das comunicações, tendo impactos em quase todos os sectores de actividade.

O plano da comissária europeia para as Novas Tecnologias, Neelie Kroes, passa por implementar tectos às tarifas de roaming até eliminar estes custos, em 2016. Os benefícios para os cidadãos europeus parecem-me óbvios, basta considerar o tráfego de cidadãos europeus entre estados-membros (seja por turismo, negócios, ...) e o facto de muitas vezes se substituir o telemóvel pela internet (skype, whatsapp, ...). Assim, aumenta-se a comodidade do utilizador (via número de serviços disponíveis), bem como os resultados dos operadores no mercado, esta última podendo ser obtida por meio da internacionalização de algumas operadoras ou pelo estabelecimento de alianças entre operadoras (na mesma linha do que se faz entre companhias aéreas).

Também o Público noticiou que o Primeiro-Ministro Francês pretende que se crie um Salário Mínimo europeu. A priori surge-me uma questão imediata: Por que Salário Mínimo se nivela? Pelo mais baixo, aumentando o leque salarial e as desigualdades de rendimento em todos os outros países? Ou pelo mais alto, subindo os custos salariais e por conseguinte os preços, levando a pressões inflacionistas sobre todos os demais? Ou ainda pelo Salário Mínimo médio, colocando ambos os problemas, mas em proporções menores?

Alguns dos efeitos da implementação de qualquer salário mínimo foram tratados no Tricontraditorium pelo Ruivo em "O Impacto do Salário Mínimo" - Parte I, Parte II e Parte III. No entanto, a implementação de um Salário Mínimo a uma área supra-nacional coloca outro tipo de questões, nomeadamente ao nível da inflação (e da missão anti-inflacionista do BCE), das migrações intra-europeias de trabalhadores, da perda de vantagens comparativas nos salários por parte das economias periféricas (face às centrais) e uma potencial alteração das políticas de localização de unidades fabris, entre outras. No entanto, e pelo facto de existirem inúmeras discrepâncias socio-económicas no seio da UE, esta tentativa de uniformização dos salários mínimos parece-me precipitada e, caso seja aplicada brevemente, acentuadora de muitos dos problemas com que se debate actualmente a UE.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Não é evidente para toda a gente?

Olhando para o actual “estado da arte”, com um país falido, um governo decrépito, sem liderança nem rumo, uma oposição destrutiva e oportunista, um presidente vaidoso e fugidio, uma sociedade civil descrente e passiva, uma Constituição paralisante e caduca, um Estado inoperante, pesado e burocrata, uma justiça mole e maniatada, um sistema educativo inútil e dispendioso, um sistema de saúde caro e governado pelo lobbying (embora com resultados) e um sistema político assaltado pelo carreirismo, Maçonaria, corrupção e incompetência, a pergunta que se impõe é: onde está a solução para inverter isto?

A meu ver (e no ver de muitos outros, felizmente), se ainda quisermos que o actual regime seja parte da solução e não do problema, não nos podemos dar ao luxo de deitar para o lixo cidadãos como Rui Rio e António Costa!
Ou não me digam que preferem Passos Coelho, que se seguiu a Sócrates, que por sua vez sucedeu a Santana Lopes, a Durão Barroso e por aí fora? (É só minha impressão ou o líder de governo que se segue é sempre pior que o anterior?)
Ou preferem o António José Seguro que já está na calha do poder? Um senhor que não consegue dizer um parágrafo sem que se engane a concordar o sujeito com o predicado. Um senhor que, para as grandes decisões, vai chamar os outros para que as tomem por ele. Um senhor cuja ideologia são "as pessoas" (pior seria se fosse a das rochas...), que não tem mais nada para dar na política senão "trazer-lhe de volta os afectos". Um senhor que nunca trabalhou, que leva uma vida partidária ascendente há décadas, completamente ignorante (mais que os outros) e que tirou um curso “de vão-de-escada”. É esta a alternativa que querem?! Acham que o país está em estado para se andar a "brincar aos políticos"?!

Surgiu-me este post ao ouvir Rui Moreira em entrevista, recém-eleito presidente da CM do Porto (que pertence ao mesmo partido que eu, o da independência), sugerir isto mesmo: em nenhuma circunstância, muito menos nesta, um país que se preze se pode dar ao luxo de deitar borda fora políticos como Rio e Costa!
A não ser que seja eu o único a ver a profundidade da cratera onde estamos enfiados...

sábado, 12 de outubro de 2013

Estalinismo fiscal

O governo anunciou que a taxa do audiovisual (para financiar a RTP, através da factura da electricidade) vai aumentar. E surgem rumores de que o aumento poderá chegar aos 20% (já dizia S. Tomé, é “ver para crer”). Não está em causa o valor per capita que se paga para dar 50M€ à RTP (2€/pessoa não me parece muito), está sim o conceito de cobrança e a transferência de responsabilidades do Estado para os contribuintes (para não variar).
Esta notícia vem relacionada com uma outra: o Estado quer cortar metade da indemnização compensatória devida à RTP, em contrapartida do “serviço público” prestado.

Fui recorrer a algumas noções de fiscalidade para me elucidarem: uma taxa é a “prestação que se exige dos particulares que utilizam um serviço público” (segundo informa a Infopédia, citando o Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora, 2003-2013), enquanto um imposto é um tributo exigido “pelo Estado a pessoas singulares e colectivas para fazer face às despesas públicas” (segundo a mesma fonte). Ou seja, o pagamento de uma taxa consigna-se a custear o serviço directamente prestado pela entidade pública, enquanto o destino de um imposto não está pré-determinado no momento em que ele é pago (ninguém pode exigir que o seu IRS seja usado para pagar os salários dos professores da escola pública do filho, por eg).
Ora, se a contribuição do audiovisual tem de ser paga na factura de electricidade, toda a gente que tenha luz em casa (felizmente hoje em dia quase 100% das casas) tem de pagar a taxa do audiovisual. E as casas que não tenham televisão, pagam a dita coisa na mesma? Pagam pois! E o serviço prestado, qual é nesse caso? Nenhum! (Não acredito que hajam muitas “primeiras” casas sem TV, mas bastantes “casas de férias” não a têm.)
Ou seja, esta coisa a que chamam “taxa” não é taxa coisíssima nenhuma, porque a todos obriga pagá-la, quer queiram quer não, quer tenham TV em casa quer não tenham, quer gostem da grelha programática de “entretenimento” da RTP1 quer não, quer achem muito ou pouco o que ganham tão singelos “servidores públicos” como o Malato, o Fernando Mendes ou a Catarina Furtado, quer apreciem a independência dos telejornais da RTP quer não, quer sigam ou ignorem as duzentas horas semanais nos canais públicos dedicadas ao comentário do comentário de futebol, quer assistam ou não à maré de “comentário político” e “debate” que assolou os canais públicos, e assim por diante.
O que o Estado está a fazer é simplesmente transferir para os cidadãos a responsabilidade de suportar uma empresa indistinta e endividada, sem que daí haja contrapartidas para os mesmos (aliás, o “serviço” tende cada vez a ser pior). E é no fundo com estas “migalhas” que se constrói um país onde o Estado sufoca as pessoas e organizações com impostos e afins, burocracia vária e paralisante e serviços inúteis quando não inoperantes.

Depois apelidam Passos Coelho e C.ª de serem neoliberais (ie, aqueles que defendem a absoluta liberdade dos mercados, não condicionamento da iniciativa privada e a reduzida intervenção estatal sobre a esfera económica, com um sistema fiscal “suave”).
Este governo não sabe fazer mais nada senão engendrar maneiras de pôr tudo o que mexe a pagar imposto. Não é “neoliberal” em nenhuma parte do mundo. É sim verdadeiramente estalinista, ao nível tributário.

domingo, 6 de outubro de 2013

O meu partido é a independência

Por muito que uns cantem vitória nas últimas eleições autárquicas (e que o papagueiem até à exaustão), a verdade é que o escrutínio revelou um pano de fundo de conclusões bem diferente desta euforia desbragada.
Factos indesmentíveis: a subida considerável da abstenção (mesmo desconsiderando o fluxo emigratório registado desde 2009), o impulso (para o dobro) dos votos brancos e nulos (coisa a que nunca ninguém liga mas que, se fossem a eleições legislativas, já tinham mais deputados do que o Bloco de Esquerda) e a força dos independentes (uns mais independentes que outros, mas juntos ganharam 12 câmaras - mais do dobro das do CDS e um terço das do PC).

A AR discutiu no passado dia 2/10, em sessão plenária, o resultado das eleições. Tive a infeliz ideia de assistir a tal "debate", porque fiquei a perceber exactamente porque há tanta gente que se alheia de escolher os seus representantes. As sessões no parlamento são um passeio pela hipocrisia e pela vaidade. E nós, espertos, continuamos a pagar para os digníssimos representantes nacionais fazerem de comentadores domingueiros. Pasme-se que a única referência razoavelmente inteligente e construtiva sobre tamanho descontentamento popular (com atenção para os brancos e nulos) teve de partir do bloquista Pedro Filipe Soares. O resto foi uma perda de tempo (os discursos do Zorrinho chegam mesmo a irritar).
O PS diz que teve uma "vitória histórica" (e disse-o várias vezes). Contudo se estas fossem eleições legislativas, com 36% de votos, tinham de formar governo sei lá com quem, porque sozinhos não iam lá. A vitória foi tanta e tão expressiva que perderam, pela primeira vez desde o 25/4, câmaras como Braga, Matosinhos e Guarda, e deixaram fugir para o PC Loures, Évora e Beja, por exemplo. Que glória sufocante!
Até António Costa ficou impressionado com a imponência da vitória de Seguro!
O PSD levou um "chimbalau" monumental. Perdeu, sozinho, quase metade das câmaras que tinha e o império de Jardim na Madeira está a ir à viola. As prioridades das vísceras desse partido estão tão claras que abdicaram de servir as populações para promoverem a malta do Marco António Costa. Exemplos? Sintra, Gaia, Porto e Portalegre, só para citar alguns.
O CDS, com o seu "penta", ganhou câmaras tão grandes como Santana e Albergaria-a-Velha. Quem ouviu Portas a declarar isto levou uma lição de mestria e propaganda política.
O Bloco de Esquerda, com a sua liderança repartida, desapareceu do mapa. Perdeu Salvaterra e só elegeu 7 vereadores no país inteiro (nem as figuronas João Semedo, Luís Fazenda e José Soeiro conseguiram eleição para as maiores câmaras do país). É um partido de facto inútil, indistinto dos outros.
E o Partido Comunista, que no final de todas as eleições vocifera que as ganha, desta vez (à sua escala) ganhou mesmo! Até o camarada Bernardino conseguiu recuperar Loures. Não deve tardar até o tio Jerónimo lhe ceder o lugar.

Continuidade está garantida. Saibamos nós o que isso quer dizer... Dá que pensar este caso!
Mas o mais relevante de tudo é mesmo o surgimento dos independentes. A maioria deles não passa de dissidentes que se candidataram contra candidatos do seu partido. E outros não conseguiram ganhar as câmaras porque os candidatos do seu partido "roubaram" base eleitoral, como foram flagrantes os casos de Sintra e Gaia (há gente, como o prof. Marcelo, que vota no "seu" partido "de olhos fechados" - é comovente tamanha fidelidade!). Fenómenos como os de Rui Moreira são muito interessantes e trazem a sensação de que, ou os partidos mudam por eles próprios (o que parece pouco provável), ou então esta moda veio mesmo para ficar.
Ainda assim, há um entrave muito difícil de ultrapassar para esta massa de gente que não gosta de votar "de olhos fechados". Para as legislativas, apenas os partidos políticos podem apresentar listas candidatas a sufrágio.
Antes das eleições, já a politóloga Marina Costa-Lobo tinha proposto que os partidos alterassem a lei eleitoral para permitir candidaturas de cidadãos independentes à Assembleia, tal como acontece nas restantes eleições. Proposta refeita por Pacheco Pereira depois de conhecidos os resultados. Não sei com que ideias está JPP, se anda numa intensa busca por um "abrigo seguro", já que ele nunca está bem em lado nenhum, e aquela cabeça, de tão complexa que é, anda ideologicamente baralhada (até no Congresso "Democrático" das "Alternativas" já participou). Seja como for, apoio a ideia.

Eu cá continuo "de olhos fechados" fiel à independência. E estou cada vez mais acompanhado, felizmente!

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Microeconomias da Agricultura

Após regressar de férias, e aproveitando a toada do meu colega J Ruivo, vou-me dedicar um pouco à temática da Agricultura. Ao fim de um mês (o de Agosto) em plena Região Demarcada do Douro, ouvindo conversas, debates e observando realidades, decidi aprofundar alguns dos temas que ouvi serem debatidos, dando-lhes a abordagem económica que já é característica do Tricontraditorium.

Assim, vou começar por fazer um "acrescento" a uma das publicações do meu companheiro J Ruivo no passado mês de Agosto. Resumindo a uma palavra, Microeconomia. Isto não quer dizer que a sua análise Macroeconómica do sector primário esteja errada, bem pelo contrário, mas sim que as coisas não são tão lineares como ele as fez parecer.

Em primeiro lugar, olhar apenas para o VAB como um todo não chega. Apesar de este expressar a competitividade de um sector de actividade como um todo, não representa a competitividade das empresas que o compõem. Assim, as empresas agrícolas podem tentar explorar Economias de Escala resultantes de aumentos na área das explorações (principalmente se se tratar de explorações contíguas - daí o incentivo ao emparcelamento), em que se reduzem custos de transportes/deslocações (no caso do emparcelamento), de consumíveis (adubos, herbicidas, tratamentos, ...) e de oportunidade (tempo gasto se a exploração não ocupar todo um dia de trabalho, mas o que sobra não é suficiente para tratar outra exploração) [Nota: estes são exemplos que me surgiram, mas que não me parecem muito difíceis de compreender e aceitar].

Também as Economias de Gama tomam parte relevante neste plano. A utilização dos vastos sobrais alentejanos para pastoreio de gado, de históricas herdades para agro-turismo, etc etc etc, é a forma mais simples de retirar "todos os ovos do mesmo cesto" e diversificar a actividade das empresas do sector, reduzindo o risco operacional de cada uma.

Paralelamente, o potencial de campanhas de Marketing e Publicidade (principalmente para o mercado externo) é cada vez maior. O crescente processo de globalização, a procura por produtos "verdes" (leia-se agricultura biológica) e a consciência da necessidade de sustentar os recursos naturais podem constituir oportunidades num sector inerte por natureza (e pelos custos - leia-se preço - da inovação).

Assim, o único ponto que falta tratar é a Remuneração Base Média. Não podemos olhar para o que as pessoas ganham sem ver quanto custa viver em cada zona do país nem onde se encontra a predominância do emprego no sector agrícola.

Fonte: INE [Nota: 1 é a média nacional] 

Fonte: Pordata [Nota: valores em percentagem] 

Aparentemente o Ruivo tem razão. As regiões onde se registam maiores percentagens de emprego agrícola (Alentejo e Açores) são as que se encontram acima da média nacional no que respeita ao IPC (Índice de Preços no Consumidor). Confesso que estes resultados me causam estranheza, quando pensei nesta publicação pensava que o IPC me ia dar razão e que a Remuneração Média no sector Primário ia ser compensada por um nível de preços mais baixo. No entanto, guardo uma ressalva para a utilização das NUTS II como referência geográfica, já que, por exemplo, o Norte contempla realidades bastantes contrastantes do Litoral para o Interior. O mesmo ocorre com o Alentejo, onde o Interior é muito mais virado para a actividade agrícola que o Litoral, que já contempla uma actividade turística (sector terciário) bastante considerável (basta pensar na extensão de toda a Costa Vicentina).

Assim, corrobora-se que "a Agricultura não é o El Dourado de Portugal". No entanto, tem potencialidades que (ainda) se podem ter em conta aquando da decisão de investir.

Creio que com tudo isto, o sector agrícola fica com uma análise um pouco mais profunda e completa. No entanto, há ainda muito mais a dizer sobre o futuro da Agricultura, mas fica para outra altura...

P.S.: Reparem lá na novidade do canto superior esquerdo...

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O trunfo francês

Há uns tempos, o Krugman chamou a atenção para um dado interessante: projecções populacionais para a Alemanha e a França. 

A França tem a terceira taxa de fecundidade mais elevada da Europa (2,01). À sua frente temos a Islândia (2,02) e a Irlanda com (2,05). No outro lado do espectro, temos a Hungria (1,23), a Roménia (1,25) e a Polónia (1,3). Portugal (1,35) e Espanha (1,36) surgem em 5º e 8º lugar a contar do fim, respectivamente.
Taxa de fecundidade (2011, fonte)
Só para relembrar: a taxa de fecundidade traduz-se no número médio de filhos que se espera que uma mulher dê à luz... durante a sua vida reprodutiva. Não me perguntem porque tenho que dizer aquele último pormenor. Pelo que me recordo de Geografia (Básico e Secundário), é calculada como o rácio entre o número de nascimento e o número de mulheres entre os 15 e os 49 anos de idade.

Assume-se que é necessária uma taxa de fecundidade de 2,1 para reposição da sua população. Na altura - e ainda me lembro! -, pensei para comigo porque raio é que não era 2! Se uma mulher gerar dois filhos, então repõe o pai e a mãe - missão concluída! Agora, imagino que seja 2,1 porque o número leva em consideração aqueles que morrem antes de chegarem à idade reprodutiva e aqueles que são inférteis, e assume que metade da população é feminina. Neste sentido, estes 2,1 são aquilo a que chamamos de rule-of-thumb (heurística?).

Seja como for, é graças a esta taxa de fecundidade, umas das mais elevadas da Europa (e do mundo desenvolvido) e, suponho, a um saldo migratório positivo, que o Krugman nos partilha este gráfico:
Roubado ao Krugman (daqui)
Em que a a população francesa começa a superar a alemã por volta de 2045. Vive la France!

Voltando à economia.

A população é o activo mais precioso de uma nação. (Frase cliché e grande verdade económica.) Numa economia típica, 2/3 da produção resulta da actividade humana - o outro terço provém de capital. Portanto, é de esperar que a França se transforme no Motor da Europa a meados do século.

Contudo, o Krugman faz a seguinte ressalva: ele espera que o PIB per capita entre os países da União seja semelhante nessa altura. Parece-me uma hipótese razoável. É para isso que servem os Fundos da União, em principal o Fundo de Coesão. Razoável, mas não boa. Se reduzirmos para o caso alemão e francês, parece-me muito mais provável, dado o passado do Corredor Industrial que se estende entre a Holanda e o Norte de Itália. Ainda hoje é visível.
PIB per capita por NUTS 2 (em percentagem da média da UE27, 2010, fonte)
Apesar do Krugman falar em PIB per capita e não em produtividade, não torna um factor visível. Mas eu quero ser claro e dizer que um aspecto a considerar seria a estrutura etária. Isto é relevante, porque apesar de uma nação ser mais populosa, e ter uma produtividade média igual, mas uma maior porção da população fora do mercado de trabalho, faz com que no todo produzam menos. E aqui é um ponto a favor da França, já que em 2045 a sua população deve ser muito mais jovem que a alemã. E por este facto, a França pode ultrapassar o PIB alemão mesmo antes de ultrapassar a sua população. 

Por outro lado, temos que considerar a "coesão social". Com isto, quero dizer que a "produtividade total de factores" - algo que capta a produtividade decorrente da combinação de factores -, deve estar dependente das relações que os trabalhadores formam entre si. Agora, o cenário é o seguinte: a taxa de fertilidade de casais franceses é de 1,6; enquanto o de imigrantes é de 2,4. Isto faz com que a proporção de população francesa no futuro com ascendência estrangeira no futuro seja bastante mais elevada. Agora imagine que a integração de estrangeiros em França é um problema perene, criando dificuldades no relacionamento entre pares. Isto cria problemas de produtividade e portanto corroí a hipótese de que "em 2045 a Alemanha e a França terão um PIB per capita semelhante". Agora, só resta saber se este é caso francesa e a sua gravidade.

Pela parte que me toca, se calhar devia priorizar a aprendizagem da língua francesa à alemã. Sempre é mais fácil.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O dilema das tecnologias limpas: verde-vermelho

A questão da aposta em tecnologias “verdes” e a penalização de indústrias poluentes tem que se lhe diga.

Se, por um lado, é adquirido que mais cedo ou mais tarde os países terão de investir fortemente em energias "limpas" (principalmente aqueles que melhores condições climáticas têm para o fazer – como é exemplo o caso português), também me parece que essa aposta não pode ser feita sem uma enérgica intervenção de subsídios governamentais. A questão acaba por ser o velho dilema sacrificar o curto ou o longo-prazo, já que o dinheiro não chega para tudo.
Em Portugal, o governo Sócrates ensaiou esta “reforma energética”. A consequência foi a diminuição do défice energético. Contudo, tal mudança reflectiu-se, não só ao nível orçamental (dados os benefícios fiscais à aquisição de painéis fotovoltaicos e os elevados investimentos em parques eólicos, por eg), bem como na factura mensal de electricidade paga por todos nós.
Fonte: PORDATA

Outro dilema que avassala os governos prende-se com a penalização fiscal das indústrias mais poluentes. E esse ponto é crítico quando pensamos nos efeitos perversos que uma política desse tipo pode vir a ter para o sistema económico. Li, já não sei onde nem quando, que se o mercado automóvel fosse taxado totalmente pelas externalidades negativas que provoca ao meio ambiente, o preço dos veículos aumentaria 17 vezes. Tal medida (um imposto pigouviano) levaria à quase extinção da indústria rodoviária e de outras com ela relacionadas (não apenas a compra e venda de carros, mas também o mercado de combustíveis e os transportes rodoviários de passageiros e mercadorias), com os naturais efeitos devastadores que isso traria para o crescimento.
A introdução do imposto pigouviano levaria à quase extinção do mercado de compra e venda de carros

Há, depois, outro aspecto que não é de todo de ignorar e que explica o facto de serem os países nórdicos aqueles que mais registam avanços neste campo: a aposta nestas tecnologias está intimamente relacionada com a capacidade financeira dos países. Daí serem vitais acordos internacionais que definam estratégias globais (fortemente fiscalizadas e cumpridas por todos os países) de combate às alterações climáticas, bem como regras claras para o mercado das emissões de carbono, que permitam aos países mais frágeis não ficarem desprotegidos no caminho do desenvolvimento.
A solução, como sempre, passa pelo meio-termo. Os países mais avançados têm o dever de contribuir mais fortemente para esse esforço, já que os sub-desenvolvidos e os "em vias de sub-desenvolvimento" (como Portugal) enfrentam constrangimentos orçamentais e neste momento têm outras prioridades.

E depois tudo depende da visão do poder político, mais estratégica ou mais orientada para as eleições seguintes. E essa é, no fundo, a velha história que distingue os visionários dos que não vêm um boi à frente!


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Duas semanas de notícias

Duas semanas depois de subscrever a fonte de notícias (RSS feed) do INE, este é o panorama que me espera no meu agregador.



Animador.

A do IPC pode ser lida de uma forma ambígua: por um lado, quanto menor for, melhor para a restauração da competitividade-preço e para aqueles que têm os salários congelados na prática. Por outro lado, é o reflexo de uma economia deprimida.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Aspectos teóricos sobre a mobilidade especial: tentativa

Enquanto muitos voltaram ao trabalho no início de Setembro, eu decidi dar duas semanas de férias à vida. De regresso, quero satisfazer o pedido de um leitor e venho dar a minha opinião sobre o chumbo da mobilidade especial.

Se bem percebo, a mobilidade especial funciona do seguinte modo: durante um máximo de doze meses, os funcionários recebem 50% do seu vencimento (ou menos) até que são ora despedidos, com as devidas indemnizações, ora colocados numa lista de espera para voltarem ao activo, mas sem receberam até então. Se não me engano, o que acontece ao fim de 12 meses é dado a escolher ao trabalhador.

Agora, se eu calçar os sapatos de alguém que está em mobilidade especial, e estando eu consciente de que o Governo tem que despedir pessoal, as minhas perspectivas de ficar naquela lista de espera não são risonhas. Pior ainda se as minhas qualificações estão abaixo da média, mas melhores se estiver perto da reforma.

Mesmo depois de ter corrido as notícias há umas semanas, fiquei por saber quais são os trabalhadores que são colocados em mobilidade especial. Se forem os directores dos respectivos serviços a decidir que têm trabalhadores a mais para a carga de trabalho, então sim faz sentido ter a mobilidade especial e não despedir directamente.

Quem é colocado em mobilidade especial em princípio, suponho, é reafectado para serviços com falta de funcionários. Nesse caso, o responsável pode avaliar o desempenho do trabalhador em mobilidade especial e compará-la com o desempenho de alguém que seria recrutado num centro de emprego. Caso seja, melhor, então mantém-se o funcionário; caso contrário, é despedido.

Assumo que o objectivo é reafectar recursos e melhorar a “pool” de funcionários dentro do aparelho do Estado.

Quem é colocado em mobilidade especial também tem o benefício de poder julgar o novo ambiente de trabalho, e decidir se lhe convém ou não.

A verdade é que eu não sei muito sobre o assunto, pelo que vejo-o do melhor modo que tenho à mão: modelos de busca (de emprego). O meu colega Júdice teve Direito do Trabalho, por isso ele há-de ter uma melhor ideia do assunto.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Previsões para 2014

Na passada segunda feira (dia 2 de Setembro), o professor do ISEG Paulo Trigo Pereira deu uma entrevista ao Jornal de Negócios, na qual abordou a questão do chumbo do Tribunal Constitucional (TC) ao diploma sobre os despedimentos na função pública, as suas alternativas e o futuro. Mais uma vez, Trigo Pereira chega como "Profeta da Desgraça", colocando grandes reservas ao alcançar dos 4% do PIB como meta do défice em 2014. Isto por culpa do TC, já que no seu entender o OE2013 suprime as lacunas e cumpre os requisitos pedidos pelo TC aquando do chumbo às medidas do OE2012 relativas a cortes de salários e pensões.

Dois dias depois, o Presidente do ISEG, João Duque diz na SIC Notícias (e com razão) que 2014 será um ano de constantes idas aos mercados para repor dívida que vencerá. Na realidade, esta "constância" iniciar-se-á ainda em 2013, já que no final do mês de Setembro teremos cerca de 6 mil milhões de euros de dívida para repor.

Voltando a Trigo Pereira, este defende que o crescimento do PIB no segundo trimestre não chega para resolver nada, visto que o aumento dos rácios de Dívida/PIB por toda a Europa se irá traduzir numa espiral contraccionista (contrariando Portas, que diz que a economia bateu no fundo e está em retoma). Ao mesmo tempo, defende a aposta na procura de IDE (Investimento Directo Estrangeiro), não por via de impostos (baixa no IRC), mas pela garantia de condições de sustentabilidade das empresas ("como o acesso ao crédito, o funcionamento da justiça, as acessibilidades, o custo da energia, a qualificação da mão-de obra", ou mesmo "incentivos selectivos, e não benefícios generalizados a todas empresas, dos sectores transacionável e não transacionável"), que beneficiariam não só investidores estrangeiros, como investidores nacionais que já estejam estabelecidos, ou que se venham a estabelecer.

De acordo com dados da Bloomberg, os juros da dívida (a 10 anos, desde o final de Julho) estabilizaram acima dos 6,5%, tendo ultrapassado os 7% no presente mês de Setembro. De acordo com o IGCP, até ao fim de 2014 vencerão mais de 19,5 mil milhões de euros de Obrigações do Tesouro e cerca de 28 mil milhões de euros de Bilhetes do Tesouro. Isto confirma a tese de João Duque de que estamos perante um ano de constantes idas ao mercado.

Portanto o que se pode concluir daqui? Parece-me algo óbvio. Não querendo ser pessimista, os números apontam para um 2014 dificílimo e decisivo para o sucesso da economia portuguesa. A questão das inconstitucionalidades irá condicionar as possibilidades de acção do governo, tornando mais difícil a tomada de decisões e/ou medidas. O mesmo se aplica ao tempo despendido com a questão do (re)financiamento da dívida. Além disto, as Legislativas de 2015 aproximam-se a passos largos, perspectivando-se algumas medidas mais "populistas" para o final de 2014 (ou a serem incluídas no OE2015).

É esperar para ver...

sábado, 31 de agosto de 2013

Cortar nos salários?

Depois do debate que aconteceu no início do ano, a "necessidade de cortar nos salários" é um tópico que tem surgido esporadicamente ao longo deste Verão.

Eu compreendo porque há aqueles que dizem que os salários têm que descer. Quem defende a descida dos salários, sustenta-a com dois raciocínios:
  1. Menores salários leva a mais trabalhadores empregados;
  2. Permite diminuir os preços - principalmente nas exportações, o que ajudava a corrigir a balança corrente.
Eu tenho algumas dúvidas sobre os dois mecanismos.

Na primeira, pode ser por minha culpa que tenho uma visão rígida do mundo. Se uma empresa usar uma determinada técnica de produção, então precisa de trabalhadores e máquinas numa determinada proporção independentemente dos preços. Se ela precisa de 2 trabalhadores e 1 máquina para produzir 1 unidade,  e só conseguir vender 1 unidade, então empregará 2 trabalhadores e 1 máquina quer os salários desçam ou não.

Quanto à segunda, Portugal é tipicamente um país tomador-de-preços nas exportações: isto é, nós não fazemos o preço, não temos capacidade de repassar aumentos dos custos para o consumidor final. Mas, se o custo por unidade diminuir, então sim, temos margem de manobra para diminuir o preço. Temos margem para tal, mas nada o garante. A empresa pode decidir enquanto vender a preço antigo e decidir aumentar os seus lucros; ou então descer os preços, expandir a quota e assim empregar mais. 

Dito de outra forma, as minhas dúvidas são fundamentadas na não-substituição de factores e na rigidez dos preços à descida.

Mesmo com estes dois problemas, quem defende a descida dos salários ainda tem uma hipótese: descer salários abre as portas a novas empresas que são mais intensivas em mão-de-obra.

Olhemos agora para o plano interno: 
O salário, como porção do rendimento, ganha importância à medida que o rendimento decresce. Isto é só uma maneira de dizer que quanto mais pobre és, as outras fontes de rendimento (rendas, dividendos) perdem peso na composição do teu rendimento. A partir de outro patamar, o salário perde peso para transferências do Estado. Sabendo que a propensão a consumir é mais elevada nos mais pobres, então o consumo interno vai-se ressentir.

Por outro lado, há que considerar o facto de empresas e famílias terem dívidas passadas que estão fixas em preços nominais. Assim, com uma descida do salário, uma  maior porção do rendimento tem que ser destinada a honrar esses compromissos. Com uma subida da taxa de esforço não será de suspeitar um aumento do crédito mal-parado.

E não, nada disto será compensado por um aumento do investimento.

Neste cenário, o ambiente não é propício a novas empresas. A não ser que passem a exportar logo para o exterior.


Voltando ao segundo ponto, o problema do défice da balança corrente pode ser dito deste modo: acumulámos défices de 10% do PIB ao longo de anos, porque os nossos preços estavam demasiado elevados. Mas, o reverso da moeda é o mesmo que dizer que os preços estrangeiros estavam demasiado baixos para nós. E não apenas para nós, para a Espanha e a Grécia e mais uns tantos.

Curiosamente, o reverso da moeda a descer os salários em Portugal é subir os salários na Alemanha. Prefiro esta solução e já foram tomados alguns passos nesse sentido. 


Em nenhum destes pontos estou a ser taxativo. Apesar de tentar estar a explicar o panorama a outros, estou principalmente a pensar para mim.

Sobre o seguro obrigatório de bicicleta

Através da voz do seu presidente, Carlos Barbosa, a ACP está a pedir a implementação de um seguro obrigatório para bicicletas. Pelo que li no artigo, seria um seguro de responsabilidade civil. Mas, por agora, quero focar apenas na necessidade de existir um seguro obrigatório ou não para bicicletas.

Carlos Barbosa acredita que as bicicletas devem ter seguro, porque «estão em igualdade de circunstâncias em relação a um veículo a motor e têm um determinado número de regalias novas, a partir daí é fundamental que também tenham um seguro de responsabilidade civil contra terceiros».

Eu não comungo desta opinião. Podem estar em igualdade de circunstâncias no que toca à lei rodoviária(?). Mas não é por aqui que se decide a obrigatoriedade do seguro. Há que olhar para a frequência dos acidentes e o montante dos danos causado por ciclistas para saber se a obrigatoriedade é necessária - se promove o bem-estar social. Dei uma vista de olhos pelo Instituto de Seguros de Portugal, mas não encontrei nada.

Ao que parece, o receio do Carlos Barbosa não é fundado na experiência passada, mas no receio que «ao aprenderem a conviver, haja vários acidentes e problemas. Acho que é fundamental todos os ciclistas, até para sua própria protecção, terem um seguro de responsabilidade civil.» Realmente, mais vale prevenir do que remediar. Então, nesse caso convém perceber exactamente como as alterações vão levar a um aumento dos acidentes. E se tal acontece devido a uma alteração na lei, não seria mais sensato corrigir a lei?

Mais um e último pormenor, já que, segundo o presidente da ACP os acidente dever-se-ão ao período de aprendizagem, então este aumento é temporário e portanto pede medidas temporárias - não permanentes, como é sugerido.

Pela parte que me toca, este assunto não é directamente do meu interesse. Não ando de carro e não ando de bicicleta. Ando a pé e de transportes públicos. O que me chamou a atenção para este caso foi a leviandade com que se sugerem alterações à lei sem fundamentar devidamente o pedido. É verdade que o debate de alguma maneira tem de começar, mas agradecia que começasse com pelo menos um pé numa realidade mensurável. Para quem realmente se importa com este assunto, espero ter encaminhado o debate.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Cuidado na descida (do desemprego)

Parafraseando Charles Dickens:

Era o melhor dos sinais, era o pior dos sinais.

Há quem veja muita esperança numa descida na taxa de desemprego. Eu vejo problemas.

É normal que um cidadão comum veja uma descida da taxa de desemprego como algo para festejar, porque associa essa descida ao facto de alguém ter encontrado emprego. Por virtude da minha formação, consigo ler melhor o que se passa por detrás da taxa de desemprego. E sei que há outras razões para a taxa de desemprego descer, e essas não envolvem encontrar emprego.

A taxa de desemprego pode estar a descer tão pura e simplesmente porque há desempregados, tal é a ansiedade e a frustração, que desistiram de procurar emprego. Isto é um mau sinal.

Também pode descer porque desistiram de procurar emprego em Portugal, fizeram as malas e emigraram. Isto é um mau sinal.

No final, perdemos mão-de-obra. E por sinal qualificada. E por sinal, Portugal está a adaptar-se a um novo normal que deixa muito a desejar.

Agora, como sabemos porque razão o desemprego desceu? Para esta crise, um bom indicador seria olhar apenas o rácio entre empregados e população. Outro, mais trabalhoso, seria olhar para os principais fluxos que afectam o desemprego: o saldo migratório, os novos reformados, os novos empregados e aqueles que acabaram de entrar no mercado de trabalho.

Infelizmente, o INE é um instituto de estatística que a meu ver deixa muito a desejar e recolher estes dados não é fácil. E quando os encontro, não estão actualizados. Se quisesse construir  o rácio emprego população, só o podia fazer até o 1º trimestre de 2009. Ridículo. Há quem já tente construir séries mensais para o PIB e nós ainda vamos em 2009... No entanto, vou procurar mais dados e escrever outro artigo na altura apropriada.

Mas fica o aviso: associar uma descida da taxa de desemprego a uma recuperação económica pode ser um engano. E muito provavelmente o é.

domingo, 25 de agosto de 2013

Internet - em fase de construção

Quando vejo uma pessoa a apontar para o lado negro da Internet, recordo-me disto:
Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança! - Dante
Mas, de facto, a internet tem um lado negro. E qualquer pessoa que já tenha lido os comentários a uma notícia ou no Facebook facilmente encontra comentários instigadores e destilando ódio. E hoje o Público evoca a besta das suas profundezas.

As razões pela atitude mais agressiva passam pela irresponsabilidade que o anonimato traz, a comunicação assíncrona - há um desfasamento na resposta às nossas acções -, e, gosto desta hipótese, a falta de contacto visual.

Esta última hipótese já havia sido levantada para o comportamento abusivo que os condutores exibem detrás do volante. Como não conseguimos ver a cara das outras pessoas, não conseguimos reconhecer as suas emoções e portanto tratamo-las como não-pessoas. Curiosamente, nós também fazemos o mesmo ao apelidar dos internautas irresponsáveis de tróis. Sim, o plural de trol é tróis - pense em sol e confirme aqui.


Há quase duas semanas, o Público tomo a iniciativa de terminar com os comentários anónimos nas suas peças. Vejo a medida com bons olhos. Como moderador no Público, cheguei a ler muitos comentários mal intencionados e insidiosos, e muitos mais duvidosos. Ao afixar uma identidade virtual aos comentários, espero que a porção dos comentários mais duvidosos decresça.

Mas essa não me parece ser a medida mais eficaz. Acredito que ao premiar comentários que elevam a qualidade do debate, será um bom desincentivo para escrever tontarias e um bom incentivo para investir naquilo que se escreve.


Acima de tudo, é importante tomar uma atitude contra este comportamento. E essa mudança devia começar naqueles que não vêem mal em destilar o seu ódio na internet, ao mesmo que criamos o ambiente mais propício possível à conversa franca e cordial. Porque no momento em que nós abandonarmos toda a esperança, esse é o dia em que a internet irá morrer. E no seu lugar surgirá um meio mais controlado, mais vigiado e profundamente mais sinistro.

sábado, 24 de agosto de 2013

A agricultura não é o El Dorado de Portugal

Eu gosto do campo. Ver algo a crescer à nossa frente dia após dia com a nossa ajuda é mágico.

Dito isto, não deixo a magia me tapar a vista para a realidade. No discurso público - com os empurrões do CDS e do PCP em particular -, a agricultura em Portugal é vista como o Sector Salvador da Pátria. Mas não se deixe enganar por um passado sem futuro.

Um dos problemas de Portugal não se deve ao facto de os portugueses trabalharem pouco, mas sim por trabalharem em actividades que são tipicamente de baixa produtividade - isto é, acrescentam pouco valor. E a agricultura e a pesca são dois desses sectores.

Olhando para o sector como um todo, e com os últimos dados que o INE disponibiliza,

Fonte: INE - C.4.1 e C.1.1.2

Temos que, em média, desde 1995 o valor acrescentado bruto por cada trabalhador continuou inalterado nos 5.000€/ano. Por outro lado, o valor acrescentado por cada trabalhador na economia como um todo quase que duplicou entre 1995 e 2010.

Voltando-me para a notícia que me levou a escrever este artigo, louvo a criação de emprego e a contribuição para a correcção do défice externo. Contudo, sendo a agricultura um sector com baixa produtividade, será apenas natural esperar que gere empregos precários e com baixos salários.

Para confirmar este ponto, usei os Quadros de Pessoal de 2010, e vejo que a remuneração base média no sector agrícola é de  683,57€, enquanto que a média nacional é de 900,04€ - uma diferença de 32%.

E agora reparem que é neste sector que não cresce em termos de produtividade e de baixos salários que alguns partidos e portugueses vêem como o El Dorado português. Só posso supor que esta ladainha continua a vingar no discurso público, porque os portugueses não conhecem a realidade, e não a conhecem porque os comentadores não fazem questão de a divulgar. No fundo, imagino que as duas partes preferem a magia do campo ao realismo da vida.

Para terminar, só quero dizer que não tenho problemas que apostem na agricultura - é um sector com as suas oportunidades de negócio como qualquer outro. Mas oponho à atenção desproporcionada que recebe e à romantização do sector.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Como ver 1,1% de outra maneira.

Encontro no Público uma boa notícia: Portugal sai da recessão com crescimento de 1,1% no segundo trimestre.

Agora, antes de dispararem os foguetes sobre o crescimento de 1,1% (em relação ao trimestre anterior!), deixem-me mostrar o mesmo de outra forma - em relação àquilo que já perdemos.



Já agora, eu seria muito mais modesto quando apelidasse isto de uma vitória da austeridade. Nem porque é uma vitória pírica, mas porque afirmar que "as exportações cresceram graças à austeridade" exige alguma demonstração.

domingo, 11 de agosto de 2013

O calcanhar de Aquiles do esperanto.

«Ao contrário de línguas como o hebreu, o filipino ou o suaíli, que floresceram depois de serem criadas ou recriadas, o “esperanto nunca foi capaz de se apoiar na estrutura oficial de um estado, apesar de duas resoluções das Nações Unidas a seu favor” (...) 

Apesar de concordar com a premissa de que a falta de um aparelho governamental para apoiar o ensino e promoção do esperanto limita o seu crescimento, esse não me parece ser o seu principalmente problema.

A língua é um elemento indissociável da nossa identidade cultural. E compreende-se facilmente porquê: é o nosso principal meio de imprescindível comunicação. E como o criador do esperanto, Ludwig Zamenhof, deve ter reparado, ao mesmo tempo que nos une enquanto sociedade é também o grande factor que distingue nós d'outros.

Ao procurar uma língua universal, ficamos com menos uma barreira que nos distingue. Mas há muitos edifícios construídos juntos a essa barreira. Há toda uma identidade associada a essa língua: uma história, um povo, uma terra, uma cultura. E isso é um motivo para aprendermos e apegar-nos a essa língua.

Ao esperanto faltam-lhe estes elementos. O esperanto é, em muitos sentidos, uma língua artificial e vazia. No seu objectivo de ser uma língua do mundo torna-se numa língua de ninguém. Não é atractivo aprender esta língua, apesar do seu objectivo nobre, e da sua possível utilidade no mundo dos negócios.

E por estes motivos, expressões que dão vida e a sua graça a uma língua não lhe surgem com facilidade. Expressões como "calcanhar de Aquiles".