O que ensina o latim...

"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

terça-feira, 30 de abril de 2013

O Papel do Ouro na Crise da Dívida - o Caso do Chipre

Após ter referido o caso Português na minha última publicação, e após ter lido no Diário Económico que o Chipre iria iniciar o processo de alienação das suas próprias Reservas, achei por bem dedicar algum tempo a este caso e aos seus impactos no seio da União Europeia.

Seguindo a mesma lógica do caso Português, começar com alguns factos/dados acerca do Chipre e das suas reservas:
1) As reservas cipriotas, de cerca de 14 toneladas (a 59ª do mundo), têm um valor de cerca de 560 milhões de euros. Isto daria para cobrir qualquer coisa como 5,6% do valor do resgate (10 mil milhões de euros).
2) Estas reservas representam 62% das reservas totais do Banco Central do Chipre, e 3% do PIB (não chega aos 18 mil milhões de euros).
3) Também o Banco do Chipre assinou o Protocolo do Sistema Europeu de Bancos Centrais, o que significa que a venda de reservas de ouro teria de ser concertada pelo SEBC.

Neste caso, a venda de ouro avançou mesmo, o que provocou desde logo uma quebra na cotação do ouro nos mercados financeiros de cerca de 10% (a 15 de Abril), o que comprova a teoria (já explicada na publicação anterior) de que a venda de ouro iria colocar em causa o seu próprio valor, já que coloca pressões de desvalorização nos mercados. Também na publicação anterior referi que a alienação de reservas colocaria pressões de apreciação do Euro (conducentes a pressões inflacionistas), dada a recolha de Euros durante este processo. O que então ficou por explicar é o porquê. É que (muito provavelmente) países centro-europeus que não se encontram em crise (Alemanha, França, Escandinávia, quiçá o BCE) iriam exercer pressões para serem eles próprios a adquirir estas reservas, impedindo-as de serem transferidas para a China ou mesmo os EUA, reforçando as suas próprias reservas.

No entanto, esta situação do Chipre coloca ainda um outro problema (mais de índole política que económica): cria um precedente. Isto pode querer dizer que a médio prazo pode ser exigido aos demais países sob resgate que façam o mesmo e vendam as suas reservas de ouro. Isto poderá agravar as pressões de desvalorização do ouro, bem como todas as demais consequências já enumeradas.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Não há Marshall americano que ponha isto em ordem

Por sugestão do desespero europeu, começamo-nos a questionar: e porque não um novo plano Marshall para a Europa? Vou tentar explicar porque é impossível.

Países ao abrigo do plano

Em 1947, quando George Marshall decidiu lançar o programa, a Europa estava, stricto sensu, arruinada.
  1. A recuperação europeia passava necessariamente pela reconstrução de infraestruturas de comunicação, fábricas, e o restabelecimento da produção agrícola e industrial. Nesse momento, a economia privada não existia, o que tornava natural e óbvia a intervenção de dinheiros públicos ou externos que a re-erguessem.
  2. O século passado foi, largo espectro, marcado pela ideologia e a "guerra fria". Para os EUA, era imperativo evitar que as nações europeias fragilizadas ficassem à mercê da influência soviética. Importava acabar com as manifestações existentes contra os governos locais, que desbravavam caminho para o comunismo a ocidente. Só se faria isso com crescimento económico e emprego para todos.
  3. Noutra perspectiva, o investimento "estadunidense" nas nossas quintas serviu para criar na Europa uma "bolsa de consumidores" que hoje lhes dá jeito. O encalço dos actuais globalização e mercados capitalistas.
Não foi, longe disso, um investimento a fundo perdido.
Contribuições anuais do plano Marshall para a Europa
Dimensão do investimento em cada país

Hoje, as circunstâncias económico-políticas são substancialmente diferentes:
  1. Nos EUA perpassa uma crise orçamental e um défice externo acentuado (double deficits - ver abaixo).
  2. O modelo económico global tornou-se, desde há muito, o capitalismo e consumismo. Em toda a parte se nota a forte presença e influência de multinacionais (McDonald's ou Coca-Cola são eg), a maioria delas americanas.
  3. A própria China é hoje o expoente da maneira deturpada de olhar o mundo globalizado, praticando um dumping social sem limites, uma ganância desmedida. Rastos espalhados pelos norte-americanos.
  4. A acrescentar, outros países emergiram, o que possibilitou aos EUA diversificarem os seus mercados de consumidores.
  5. Por outro lado, agrada aos Estados-Unidos manter o seu dólar mais fraco que o euro, para que não percam a tal mina de ouro europeia para as exportações (ver abaixo). Ainda para mais, não foi pela força do Euro que o dólar deixou de ser a moeda-padrão para outras moedas mais fracas.
  6. A questão ideológica deixou de ser relevante. E mesmo nesse ponto, aquele que seria o país de "ameaça" vive sinais de auto-implosão e paralisia, nem se podendo considerar sequer o antagonismo do american life-style: a Rússia.
Evolução da taxa de câmbio Euro-Dólar (fonte)
Evidência do duplo défice americano (fonte: FRED FED)

Portanto, espremendo tudo: a UE tem de se concentrar em resolver as suas questões: mutualizar dívidas nacionais acima dos 60% do PIB, harmonizar políticas orçamentais e de investimento, união bancária e garantir um sistema de equilíbrio entre países centrais competitivos e periféricos pouco competitivos (liberalizar quotas de produção e pescas nos países do sul, por eg), e, já agora, gerir e fiscalizar a sério a aplicação dos subsídios europeus (e não o desbarato que temos hoje).
Tudo isto para não esperar que a sorte nos caia do céu e que outros resolvam problemas só nossos.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O impacto do salário mínimo - Parte II



Na semana passada publiquei um artigo resumindo os argumentos económicos daqueles que se opõem e apoiam o aumento do salário mínimo. Hoje irei fazer as devidas críticas ao raciocínio do Pedro Cosme Vieira, que apresenta uma visão neoclássica.

1. A crítica típica que ele apresenta é a de que o salário mínimo funciona como um price floor. O preço do trabalho (salário) é fixado acima do preço de equilíbrio e portanto temos excesso de oferta de trabalho (desemprego).
A primeira objecção que lhe podemos levantar é perguntar se salário mínimo sempre está acima do competitivo ou não. Imagina-se o seguinte caso:
Na Salândia, onde todos os Zés Manéis e Marias Albertinas são igualmente produtivos e trabalham todos no mesmo, o salário gerado pelo mercado e que todos recebem é de 100€. Entretanto, o Governo da Salândia decidiu implementar o salário mínimo de 10€.
Qual é o impacto desta medida? Nenhum. Se fixarmos um salário mínimo abaixo do salário competitivo, então não há nenhum efeito adverso na economia.

Como poderemos então saber se o salário mínimo está demasiado elevado ou próximo do competitivo? O que eu sugiro é olharmos para a distribuição salarial e observarmos o número de trabalhadores que recebe o SMN: se houver uma grande concentração de trabalhadores a receber o SMN, então sim, deveremos suspeitar que o SMN está próximo do salário competitivo.

Distribuição salarial, 2010. (fonte)
Há uma concentração enorme de trabalhadores a receber o salário mínimo, o que parece sugerir que o SMN é elevado.

Faço a ressalva de que não vivemos num mundo neoclássico, pelo que poderão muito bem haver outras razões que justifiquem esta concentração, nomeadamente a segmentação do mercado de trabalho e a rotação de trabalhadores, fora outras quinhentas imperfeições.

Mas, o facto de observarmos a percentagem de pessoas a receber o salário mínimo, vemos que essa percentagem tem aumentado paulatinamente desde 2006, o que dá força a essa suspeita.

Percentagem de trabalhadores a receber o SMN. (fonte)

Portanto, não devemos criticar o Cosme Vieira quando ele diz que o salário mínimo cria um preço mínimo que tem efeitos distorcedores.


2. A segunda crítica que podemos e devemos levantar ao Cosme Vieira é:
Quais são os efeitos distorcedores que o aumento do salário mínimo pode provocar?
Como não vivemos num mundo neoclássico, não será apenas desemprego. Aliás, o aumento do desemprego é o efeito mais duvidoso. O gráfico seguinte foi construído aglomerando os resultados de vários estudos sobre a resposta do desemprego face ao aumentos do salário mínimo, e mostra que o desemprego praticamente não reage a alterações no salário mínimo.


Então, quais são os possíveis impactos do salário mínimo? Seguindo o trabalho do John Schmitt
  1. As empresas podem aumentar os preços dos seus bens;
  2. Os empresários respondem, diminuindo o salário de outros trabalhadores mais bem pagos;
  3. Os empresários podem reagir, diminuindo outras compensações ou horas de trabalho ou  as formações;
  4. As empresas podem muito bem contentar-se com lucros menores;
  5. Os empresários podem exigir que os trabalhadores se tornem mais eficientes ou trabalhem mais;
  6. Os trabalhadores podem responder, trabalhando com mais afinco voluntariamente;
  7. O aumento reduz a rotação dos trabalhadores, o que diminui os custos de gestão de recursos humanos e aumenta a produtividade.
Tenho a apontar que as respostas 5, 6 e 7 evocam os salários de eficiência; já a 2 é a conhecida compressão salarial, que se observa bem em Portugal. A resposta mais natural, a meu ver, é a transmissão de aumentos salariais para aumentos de preços.

Portanto, sim, devemos criticar o Cosme Vieira por insistir que o aumento do salário mínimo irá aumentar o desemprego em todo e qualquer caso. Há outras formas de as empresas absorverem o choque.

terça-feira, 16 de abril de 2013

O papel das Reservas de Ouro na crise da Dívida

Desde o início da crise da Dívida Soberana em 2009/10 que se tem falado intermitentemente na possibilidade de se utilizarem Reservas de Ouro para ajudar a pagar dívida. Antes de mais, porquê o ouro? Porque é altamente líquido (em termos financeiros, leia-se facilmente transaccionável) , de valor real (ao invés de alguns títulos que não têm valor real, apenas financeiro) e continua a ter potencial de valorização (portanto continuam a existir interessados em investir nele).

Pegando no caso Português, e antes de explicar as implicações da sua venda na economia, convém apenas enumerar alguns factos acerca das nossas Reservas (e dados económicos):
1) O Banco de Portugal tem Reservas de Ouro no valor de cerca de 16,7 mil milhões de euros, o que cobreria cerca de 8% da nossa Dívida Pública (cifra-se em cerca de 200 mil milhões de euros - fevereiro de 2013). Também poderia cobrir 40% das necessidades de financiamento para 2013.
2) Portugal tem uma das maiores Reservas de Ouro do mundo (em termos relativos - cerca de 9,75% do PIB). Também o peso do ouro no total das reservas estrangeiras do Banco de Portugal ronda os 90% (na Índia este indicador mal passa dos 10%).
3) Em caso de decisão de venda de Reservas de Ouro, a última palavra é do Banco Central (Banco de Portugal) e nunca do Governo - Artigo 7º do Protocolo do Sistema Europeu de Bancos Centrais, que garante a independência dos bancos centrais do poder político.

Posto isto, porque é que não se alienam algumas das Reservas de Ouro para baixar a Dívida ou adiar a emissão de nova Dívida Pública?
1) Simplesmente porque não é possivel. Segundo o "«Acordo dos Bancos Centrais sobre o Ouro» assinado pelo Banco Central Europeu e por 14 Bancos Centrais Nacionais, entre os quais o Banco de Portugal, em Setembro de 1999. Este acordo, que tem sido renovado a cada cinco anos, define que «as vendas de ouro serão realizadas através de um programa concertado de vendas ao longo de cinco anos. As vendas anuais não poderão exceder cerca de 400 toneladas e as vendas totais ao longo deste período não poderão exceder as 2.000 toneladas»". As Reservas do Banco de Portugal ascendem a 382,54 toneladas (2006, desde então não se tem verificado nenhuma alienação relevante, apenas para cunhagem de moeda), além de que também Chipre, Grécia e Itália especulam acerca desta solução.
[Então e se pudesse?]
2) Porque é irrelevante a capacidade das Reservas baixarem o volume de dívida. Neste momento, ter a dívida a 117% ou a 107% do PIB é basicamente a mesma coisa. Como disse João César das Neves "se vendermos, ficamos sem ouro". Então e depois de vender o ouro, cunhamos moeda com o quê?
3) Porque uma venda desta dimensão teria um enorme impacto sobre o valor do ouro, que cairia a pique. Isto resultaria num valor conseguido pelo Banco de Portugal bastante inferior ao valor estimado de 16.7 mil milhões de euros, porque o ouro não seria vendido todo ao mesmo preço.
4) Porque para vender o ouro, o Banco de Portugal iria receber Euros, o que iria ter um impacto sobre a cotação do Euro nos mercados de câmbios e exercer pressões para a inflação dos preços, o que vai contra a missão de "estabilização de preços" do Banco Central Europeu.

No entanto, parece existir outra forma de utilizar estas Reservas na emissão de Dívida Pública. Segundo uma ideia antiga de Romano Prodi (ex-Presidente da Comissão Europeia), as Reservas de Ouro poderiam ser utilizadas como colateral para a Dívida, baixando os juros associados. Para os mais leigos na matéria um colateral é uma garantia física que se dá ao credor (mas consultem o link da investopedia). Mas pode perguntar-se: Então mas usando o ouro como colateral não vamos ficar sem ele? A resposta é: se tudo correr bem, não, o ouro continuará nos cofres do Banco de Portugal. As coisas funcionariam como no caso de uma Hipoteca: se o devedor tiver tudo controlado (se não tiver "mais olhos que barriga"), consegue pagar o empréstimo e "ganha o bónus" de pagar menos juros durante o processo, beneficiando da Hipoteca. Caso contrário, fica sem o dinheiro e sem o colateral.
Sinceramente, e a priori, a ideia não parece de todo descabida, mas voltamos a enfrentar o problema institucional: o ouro é propriedade do Banco de Portugal e quem emite a Dívida é o Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP), portanto seria necessário à partida um acordo que poderia colocar em causa a independência do Banco de Portugal face ao poder político (outra vez o  Artigo 7º do Protocolo do Sistema Europeu de Bancos Centrais).


quinta-feira, 11 de abril de 2013

O impacto do salário mínimo - Parte I

Artigo seguinte desta série: O impacto do salário mínimo - Parte II
(muito mais interessante)

Seguindo este meu artigo sobre o debate do salário mínimo, vou discutir o impacto do salário mínimo no mercado de trabalho e na economia mostrando duas perspectivas sobre o assunto, a neoclássica e a keynesiana, e termino com a minha própria.

Começo com a perspectiva neoclássica defendida pelo Pedro Cosme Vieira neste artigo. O ponto central desta teoria é que qualquer aumento no salário acima da produção marginal (produtividade) gera desemprego.

Ele não a apresenta na sua maneira mais convencional, mas recorrendo às suas fundações micro. Partindo de uma função de produção (Cobb-Douglas) com rendimentos decrescentes à escala, derivamos uma função de procura de trabalho, e mostramos que o número óptimo de trabalhadores é aquele faz com que a produtividade marginal do trabalho seja igual a Salário/Preço (do bem produzido).

Vamos estender  este raciocínio para incluir uma função de oferta de trabalho, que é derivada de uma função de utilidade, e mostrar as duas funções no mesmo gráfico, com elas a depender apenas dos salários:
Gráfico roubado a ladrões.

Onde as duas rectas se cruzam, temos o salário que elimina o desemprego no mercado. Ao fixar um salário acima do salário competitivo, há mais pessoas dispostas a trabalhar, pelo que a oferta aumenta; e a procura de trabalho diminui, porque para continuar a maximizar o lucro, a mão-de-obra é substituída por capital ou então a empresa produz menos.

Para Cosme Vieira, o problema é este: o salário mínimo gera desemprego. No artigo dele, ele apenas referiu a diminuição da procura, mas o caso também pode incluir a oferta.


Aqui represento o outro lado do debate sobre o salário mínimo nacional com este artigo do Alexandre Abreu dos Ladrões de Bicicletas.

O raciocínio evolui como se segue: ao aumentar o salário mínimo, aumentamos o rendimento disponível das pessoas, pelo que elas irão despender esse rendimento aumentando o seu consumo, e como consequência as empresas irão aumentar a sua procura por trabalho, para fazer face ao aumento da procura por bens e serviços.

Dependendo dos parâmetros, o aumento do salário mínimo pode aumentar a procura de trabalho ao ponto de eliminar o desemprego.

Mais um gráfico roubado a ladrões.

O que o Alexandre Abreu faz, e muito bem, é relembrar que o aumento do salário mínimo tem efeitos que não acabam na redução imediata da procura de trabalho. No final do dia, o aumento do salário mínimo não gera tanto desemprego quanto isso, e nas condições certas pode até diminuí-lo.


Apesar de nunca referirem as publicações de um e do outro, acredito que estes blogues tomam atenção a um e ao outro, e suspeito que este artigo do Cosme Vieira é uma resposta ao Alexandre Abreu. Independentemente de que seja esse o caso ou não, ele tenta rebater este raciocínio com um argumento semelhante à treasury view: um euro dado aos trabalhadores, é um euro retirado às empresas, pelo que no total a alteração é nula.

Assim, o aumento do consumo é contrabalançado pela diminuição do investimento, pelo que a procura do trabalho permanece inalterada, e assim devemos assistir a um aumento do desemprego.

No próximo artigo vou apontar os erros nestes raciocínios e a minha posição sobre o salário mínimo.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Rating CCC (Já que comecei com o BCE...)

Contexto: Viagem de autocarro em Frankfurt com uma guia luso-alemã convertida ao islamismo e licenciada em etnologia (só para se ver a mixórdia de culturas que para lá vai...).

Conceito: Derrapagem Orçamental - ocorre quando um orçamento não é cumprido por excesso, isto é, quando algo custa mais do que o projectado.

Caloteiro: Banco Central Europeu (sim, este fenómeno não é exclusivamente português - vá vamos deixar o Constâncio sossegado por uns segundos...).



Pergunta o leitor o que é isto? Isto é uma amostra daquilo que será a nova sede do BCE. Inicialmente estimada em 850 milhões de euros, vai custar qualquer coisa como 1200 milhões (isto se nada mais acontecer, e se acontecer prometo partilhá-lo aqui). Coisa pouca, 40% de erro... Isto para já não falar nos atrasos que provavelmente adiarão a mudança para lá de 2014.

Mais, este mamarracho já foi inaugurado (em Setembro de 2012)! Realmente o Draghi deve ter medo de não ficar na história, portanto foi assinar a placa da nova sede...

Assim, volto a agradecer ao ISEG a viagem a Frankfurt, que se revelou bastante interessante... Consegui ver (ao longe) as obras deste "Elefante Branco", que por ter importância política internacional pôde ser construído fora da skyline de Frankfurt. Estive na sede (antiga) e a primeira pergunta que vem à cabeça é "Para que é que estes palermas precisam daquilo?!" Tudo bem que a vizinhança da "Red Zone" não seja muito coerente com a imagem do BCE (ou talvez seja...), mas não justifica estoirar tanto dinheiro...

Portanto, e juntando isto à tarde passada no BCE, acho que fica mais claro qual o rumo da UE...

domingo, 7 de abril de 2013

Sindicato à séria

(material dedicado à economia laboral)

Em Portugal as relações laborais são à partida muito desiguais e é sabido que produtividade e organização eficiente de recursos não é coisa que abunde nas nossas empresas.
Deve-se isso, não só à impreparação/ignorância da grandíssima maioria dos empresários (que se tornaram sem saber ler nem escrever), mas também à pouca predisposição ao sacrifício dos trabalhadores, e à irresponsabilidade de quase todos os sindicatos, com honrosas excepções. É sobre este último que falo aqui.
 
Arménio: sejam bem-vindos à luta de classes!
(Nota: Irrita-me especialmente a exaustão com que se fala dos “direitos adquiridos”, não porque eles não devam existir, mas porque servem de pretexto para reivindicações de qualquer ordem. Essa é outra conversa.)

Entre nós, os sindicatos são partidos políticos. Os afectos à CGTP não são mais do que forças operacionais de bloqueio do PCP. Mas até poderiam sê-lo, se de facto protegessem quem quer trabalhar. Contudo, não é assim que acontece.
Só para dar um exemplo. A legislação laboral é rígida quanto a despedimentos individuais, por eg., por redução da actividade ou necessidade de reestruturação duma função, e ao mesmo tempo permite que duas ou mais pessoas sejam despedidas sem protecção de maior. Tal regulamentação, não só não conduz à protecção efectiva dos postos existentes, como faz ainda com que as empresas se retraiam na hora de contratar alguém. (Escusado será dizer que retrai a contratação colectiva)
Hoje o período de experiência é de 6 meses, renovável 3 vezes (18 meses). O que acontece é que, no fim desses 18 meses, chega uma nova “fornada” de precários e os que lá estavam antes vão para o “olho da rua”, não passando ao quadro.
Este é um sistema que não só não garante absolutamente o posto a quem já o tem (está sujeito, por eg., às práticas de “assédio moral”), como ainda impede a contratação individual e alastra a precariedade.
Evolução da contratação colectiva; fonte: UGT/BTE
Neste aspecto os sindicatos têm responsabilidades, porque criam obstáculos à liberalização do despedimento individual (enquanto não se importam que o colectivo seja “liberalizado”), o que, como expliquei, diminui as chances de quem está no desemprego ou a entrar no mercado de trabalho (como recém-licenciados) consiga posto para exercer.
Mas não só nesta questão as forças sindicais têm sido (ir)responsáveis.
Indicador inverso da produtividade; fonte: PORDATA

Nas empresas, a aumentos salariais devem associar-se acréscimos da produtividade, caso contrário as empresas estão a inflaccionar o valor do trabalho sem terem retorno disso, conduzindo a dificuldades financeiras, fatais para muitas delas.
Os sindicatos não percebem (ou ignoram) esta dinâmica e querem todos os anos aumentos salariais a torto e a direito, ou por causa da inflação, ou porque a empresa vizinha aumentou, ou sei lá porquê… E se tais exigências não são satisfeitas, “partem para a luta”, paralisando a actividade e criando maiores dificuldades às empresas em questão. Numa lógica de interesse político, notoriedade, e não tanto de defesa dos trabalhadores a cargo da organização.
Um oásis no "deserto" da margem sul...

A montar o futuro.
Este não chora nas dificuldades.

No meio de tanta inconsciência, há um oásis: a comissão de trabalhadores da AutoEuropa, por sinal liderada por um bloquista. António Chora tem conseguido acordos muito importantes com a empresa e motivar os trabalhadores, de tal forma que a fábrica de Palmela conseguiu nestes últimos anos adiar o seu vaticinado fecho e, pasme-se, gerar aumentos na produção e nos salários em tempos de crise como estes.
Sucesso que causa tremenda urticária na corte do Arménio, do Jerónimo e do Bernardino, mas disso os trabalhadores da Volkswagen querem lá saber… Só querem ter trabalho e receber ao fim do mês, mais nada.
Esse sim, um sindicato à séria!

sábado, 6 de abril de 2013

Uma tarde no BCE (hajam cavalos com palas nos olhos!)

À conta do ilustre Instituto Superior de Economia e Gestão (e do meu bolso...) consegui ter duas semanitas de férias por volta da Páscoa, ao invés de muitos outros colegas de faculdade. Estas férias incluiram 5 dias que amanhã terminam em Frankfurt na Alemanha.

Ontem, dia 5 de Abril de 2013, passei a tarde no muy nobre Banco Central Europeu (BCE), acompanhando (após um excelente almoço!) três sessões com Niels Bünemann (dinamarquês, Principal Press Office do BCE - "The ECB institutional set-up and its response to the crisis"), Ralph Setzer (alemão, EU Countries Division - "Macroeconomic Imbalances in the Euro Area") e Vítor Constâncio (português, Vice-President of ECB - Backround talk, onde deu uma perspectiva historico-económica da UE).

As sessões tiveram o seu quê de interessante, mas não foi isso que me levou a escrever no auditório enquanto ouvia o Vice-Presidente do BCE. O que me levou a escrever um rascunho deste texto na hora no bloco que me disponibilizaram foi a coerência das instituições europeias, em particular do BCE e dos seus funcionários. Assim, alguns padrões e ideias retirados da tarde:

1) O BCE fará tudo o que estiver ao seu alcance para superar a crise (dentro dos limites do seu mandato) - frase proferida por Mario Draghi e diversas vezes citada.

2) A supervisão/regulação bancárias efectuadas pela UE (por via do BCE) resolverão todos os problemas da banca.

3) Manter uma inflação estável a 2%/ano irá potenciar o crescimento (no longo prazo).

Estas três ideias pareceriam interessantes, não fossem as mensagens subliminares deixadas pelos intervinientes durante a tarde, a saber:

1) O BCE continua cegamente a acreditar que a crise é economico-financeira, quando já se verifica uma espiral social da mesma. Além disso, parece que pensam que a crise não passa de um jogo de Monopólio que mais tarde ou mais cedo se irá solucionar.

2) Se olharmos para a missão do BCE com atenção, vemos que tudo o que estiver ao seu alcance é tão vasto como o meu salário mensal actual... (sabendo que ainda pertenço à população inactiva...)

3) Os senhores de Frankfurt (e aposto que se passará o mesmo em Bruxelas) acham que vir a Portugal (e aos restantes estados intervencionados) reunir com os executivos é suficiente para tomar contacto com a realidade do país. Como é de esperar, estes senhores estão redondamente equivocados e não fazem a mínima ideia do que se passa no quotidiano das populações.

Assim, considerando todos estes factos na mesma equação (e pondo de parte as questões domésticas de cada país) rapidamente se conclui que não será a UE ou o BCE a encontrar a solução para a crise em que nos encontramos.

(escrito no auditório do BCE)

quinta-feira, 4 de abril de 2013

O debate sobre o salário mínimo

Tenho andado alheado do debate sobre o salário mínimo em Portugal, porque debates deste género normalmente incluem demasiado barulho e perco rasto do sinal.

Mas eis que o Público resume-me a coisa com dois artigos: um para a UGT, outro para a CIP. E eu resumo-vos o resumo.

O salário mínimo nacional (SMN) actual é de 485 euros mensais desde Janeiro de 2011. A CGTP propõe o aumento de do SMN para 515, a UGT para 500. A CIP concorda com aumentos salariais, mas só até 500€, e só se o aumento for financiado por uma diminuição de um 1 p.p. na TSU, como a UGT sugere. Em contraponto, a CGTP é contra a diminuição da TSU, propondo em sua substituição linhas de crédito com spreads reduzidos e redução dos custos de contexto.


A UGT diz que o aumento do salário mínimo custaria 100 milhões às empresas, sendo que a diminuição da TSU cobrir em esse aumento em 80 milhões.

 No meio disto, surge o Governo, na figura do Primeiro-ministro, afirmando que «pôr o Governo a determinar por lei o aumento do salário mínimo seria o melhor presente envenenado que poderíamos dar às pessoas, às empresas e ao país.» O único que não parece querer um aumento do salário mínimo neste cenário.

Por agora, só tenho a fazer os seguintes comentários:
1. Diminuir a TSU para aumentar o salário mínimo é o mesmo que tapar um buraco abrindo outro, mesmo tendo em conta o seus possíveis efeitos;
2. A diminuição dos custos de contextos não é legislável.

Amanhã alargo o meu comentário para o impacto do aumento do salário mínimo na economia.

Artigo seguinte nesta série: O impacto do salário mínimo - Parte I

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Não sou uma galinha

Este país presta-se a D. Sebastiões.
O fulano farmacêutico voltou de Paris, menos de 2 anos depois de ter sido escorraçado em urnas. Poder-se-ia pensar que regressaria mais instruído e civilizado. Qual quê! Com um ar mais arrogante e mentiroso que nunca, doentia postura narcisista e uma intragável dose de auto-elogio e vitimização, a insana criatura reapareceu perante o país. Visto e revisto por 1,6 milhões de gente.
Espectáculo tristíssimo, que demonstra bem a via de sub-desenvolvimento que estamos a trilhar.

(Belo texto de António Borges de Carvalho sobre o tema)

Abro a minha boca de espanto ao perceber o saudosismo que esta inenarrável alma cultivou sobre si na comunidade.
Talvez não seja tão esquisito assim: afinal, se até o Salazar ganhou, já bem entrado neste século, a distinção para "maior português de sempre", porque é que Sócrates, com tão ou mais brilhante obra e hombridade, não haveria de ser lembrado por todos?



Muito vejo por aí que “ele foi o melhor primeiro-ministro que Portugal já teve” ou que, numa perspectiva menos floreada, “ele tinha boas ideias, não soube foi aplicá-las”. Parece que, do pé para a mão, tudo esquecemos. Esta nação enlouqueceu!
Então um tipo que nunca seria ninguém senão fizesse carreira nas jotas, trocando pelo percurso as tintas alaranjadas pelas rosas. (Miguel Relvas, olha quem!)
Um tipo com uma licenciatura em engenharia às três pancadas, de vão-de-escada, domingueira, numa universidade hoje extinta, com contornos de corrupção, ou no mínimo de especial favor (o que não foi inédito na sua vida).
Um tipo que, para início de “profissão”, assinou projectos que nunca desenhou.
Um tipo que, uma vez ministro do ambiente (cargo para o qual estava mais que habilitado), esteve envolvido num caso gravíssimo de suborno (e outras questões de incúria na co-incineração), nunca se prestando ao esclarecedor depoimento.
Um tipo que, candidato a primeiro-ministro, prometeu mundos e fundos (o que foi a coisa mais honrosa que fez na carreira), desde empregos a computadores para todos.
Um tipo que, eleito primeiro de nós, não só não cumpriu o que prometeu, como foi mestre da mentira, do show-off e do regabofe.
Um tipo que, em vésperas de legislativas e autárquicas, ocultou 3 vezes o valor do défice público estipulado, tendo no mesmo ano aumentado a prole de funcionários do estado em 3% e baixado o IVA para “relançar a economia”.
Um tipo cujas amizades eram/são tão nobres como as de Jorge Coelho, Armando Vara, Paulo Campos, João Galamba, Mário Lino, Manuel Pinho, M.ª Lurdes Rodrigues, Santos Silva, Ben Ali, Kadhafi, J. E. dos Santos, Chávez ou Teodoro Obiang, (Terá ido aos funerais de alguns destes?)
Um tipo recordista na interposição de queixas por “difamação e ofensa à honra” (como se tal tipo tivesse honra), embora notoriamente das criaturas mais hostis para jornalistas e menos democráticas que se possa encontrar nesta democracia.
Um tipo que montou uma teia de controlo dos media, chegando ao ponto de mover influências junto do governo socialista espanhol para que grupos de comunicação social ligados ao PSOE comprassem a TVI, usando para isso toda a capacidade de decisão do Estado em empresas particulares como a PT.
Um tipo que, mesmo com tanta fome por “criar empregos” e “estimular a economia”, conseguiu deixar um rasto de desemprego que não tem desculpa (porque supostamente a receita o evitaria).
Um tipo que, no meio disto tudo, deixou por pagar o dobro da dívida pública que encontrou, por opção “ideológica”, entre os quais a bela conta do Magalhães, ParqueEscolar, fundações, estradas, “plano tecnológico”, energias renováveis, PPP's, etc..
Um tipo que, por ingenuidade e comodismo vindos de Belém, teve sempre liberdade para fazer o que quisesse, fez tudo para desperdiçar toda a guarda presidencial que recebeu para os seus crimes.
Um tipo que, sendo do mais mal-criado que se possa ser para os adversários, e não gozando de maioria absoluta parlamentar, que viu dois orçamentos seus aprovados (tendo desrespeitosamente andado a ziguezaguear na aliança no último deles) e 3 PEC’s rapidamente emendados também deixados passar no Parlamento, pode-se queixar de não lhe terem aprovado o PEC IV?
Um tipo que, a contragosto de tudo o que lhe foi recomendado (até por seus ministros próximos), adiou o pedido de assistência à troika, quando era visível que Portugal não aguentaria mais, sob pena de não haver salários, cereais, nem papel higiénico para ninguém.
Tal como li de António L. de Castro de fins de 2011, Sócrates “eleva a aldrabice a uma arte. Além de mentiroso compulsivo, tem aquele dom só ao alcance dos grandes canastrões, de mentir com o ar mais sério do mundo. Conseguiu aldrabar toda a sua vida. É um virtuoso”.

Depois disto tudo, um tipo destes merece que 1,6 milhões de pessoas o estejam a ouvir/idolatrar, ou antes que tais gentes exijam que no mínimo ele nunca mais lhes apareça à frente, ou que no máximo seja julgado e condenado?

Por isto, é-me inconcebível a passadeira vermelha que estenderam a tão sinistro indivíduo. E mais escandaloso é termos uma RTP, paga por todos a peso de ouro, não só a prestar-se a este bonito serviço, como a regozijar-se por tão valioso feito.
Este episódio ilustra ainda o défice de preparação dos entrevistadores que temos, incapazes de contrariar tamanha má-criação e trapaça.

Enquanto intervir, farei para que os esquecidos avivem a sua memória e os ignorantes saibam disto. Nunca me esquecerei. Porque até provem contrário, a minha memória é humana, e não de galinha.


PS: Este contraditor regista igualmente o enorme despudor da gente socialista em geral, e da cúpula soarista em particular (representante maior da ordem maçónica vigente), que, a despeito de todos os crimes contra a solvência nacional, não se abstêm de palpites e reclamações (algumas delas atentatórias para a democracia que dizem ter construído).