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"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O impacto do salário mínimo - Parte II



Na semana passada publiquei um artigo resumindo os argumentos económicos daqueles que se opõem e apoiam o aumento do salário mínimo. Hoje irei fazer as devidas críticas ao raciocínio do Pedro Cosme Vieira, que apresenta uma visão neoclássica.

1. A crítica típica que ele apresenta é a de que o salário mínimo funciona como um price floor. O preço do trabalho (salário) é fixado acima do preço de equilíbrio e portanto temos excesso de oferta de trabalho (desemprego).
A primeira objecção que lhe podemos levantar é perguntar se salário mínimo sempre está acima do competitivo ou não. Imagina-se o seguinte caso:
Na Salândia, onde todos os Zés Manéis e Marias Albertinas são igualmente produtivos e trabalham todos no mesmo, o salário gerado pelo mercado e que todos recebem é de 100€. Entretanto, o Governo da Salândia decidiu implementar o salário mínimo de 10€.
Qual é o impacto desta medida? Nenhum. Se fixarmos um salário mínimo abaixo do salário competitivo, então não há nenhum efeito adverso na economia.

Como poderemos então saber se o salário mínimo está demasiado elevado ou próximo do competitivo? O que eu sugiro é olharmos para a distribuição salarial e observarmos o número de trabalhadores que recebe o SMN: se houver uma grande concentração de trabalhadores a receber o SMN, então sim, deveremos suspeitar que o SMN está próximo do salário competitivo.

Distribuição salarial, 2010. (fonte)
Há uma concentração enorme de trabalhadores a receber o salário mínimo, o que parece sugerir que o SMN é elevado.

Faço a ressalva de que não vivemos num mundo neoclássico, pelo que poderão muito bem haver outras razões que justifiquem esta concentração, nomeadamente a segmentação do mercado de trabalho e a rotação de trabalhadores, fora outras quinhentas imperfeições.

Mas, o facto de observarmos a percentagem de pessoas a receber o salário mínimo, vemos que essa percentagem tem aumentado paulatinamente desde 2006, o que dá força a essa suspeita.

Percentagem de trabalhadores a receber o SMN. (fonte)

Portanto, não devemos criticar o Cosme Vieira quando ele diz que o salário mínimo cria um preço mínimo que tem efeitos distorcedores.


2. A segunda crítica que podemos e devemos levantar ao Cosme Vieira é:
Quais são os efeitos distorcedores que o aumento do salário mínimo pode provocar?
Como não vivemos num mundo neoclássico, não será apenas desemprego. Aliás, o aumento do desemprego é o efeito mais duvidoso. O gráfico seguinte foi construído aglomerando os resultados de vários estudos sobre a resposta do desemprego face ao aumentos do salário mínimo, e mostra que o desemprego praticamente não reage a alterações no salário mínimo.


Então, quais são os possíveis impactos do salário mínimo? Seguindo o trabalho do John Schmitt
  1. As empresas podem aumentar os preços dos seus bens;
  2. Os empresários respondem, diminuindo o salário de outros trabalhadores mais bem pagos;
  3. Os empresários podem reagir, diminuindo outras compensações ou horas de trabalho ou  as formações;
  4. As empresas podem muito bem contentar-se com lucros menores;
  5. Os empresários podem exigir que os trabalhadores se tornem mais eficientes ou trabalhem mais;
  6. Os trabalhadores podem responder, trabalhando com mais afinco voluntariamente;
  7. O aumento reduz a rotação dos trabalhadores, o que diminui os custos de gestão de recursos humanos e aumenta a produtividade.
Tenho a apontar que as respostas 5, 6 e 7 evocam os salários de eficiência; já a 2 é a conhecida compressão salarial, que se observa bem em Portugal. A resposta mais natural, a meu ver, é a transmissão de aumentos salariais para aumentos de preços.

Portanto, sim, devemos criticar o Cosme Vieira por insistir que o aumento do salário mínimo irá aumentar o desemprego em todo e qualquer caso. Há outras formas de as empresas absorverem o choque.