Na semana passada publiquei um artigo resumindo os argumentos económicos daqueles que se opõem e apoiam o aumento do salário mínimo. Hoje irei fazer as devidas críticas ao raciocínio do Pedro Cosme Vieira, que apresenta uma visão neoclássica.
1. A crítica típica que ele apresenta é a de que o salário mínimo funciona como um price floor. O preço do trabalho (salário) é fixado acima do preço de equilíbrio e portanto temos excesso de oferta de trabalho (desemprego).
A primeira objecção que lhe podemos levantar é perguntar se salário mínimo sempre está acima do competitivo ou não. Imagina-se o seguinte caso:
Na Salândia, onde todos os Zés Manéis e Marias Albertinas são igualmente produtivos e trabalham todos no mesmo, o salário gerado pelo mercado e que todos recebem é de 100€. Entretanto, o Governo da Salândia decidiu implementar o salário mínimo de 10€.
Qual é o impacto desta medida? Nenhum. Se fixarmos um salário mínimo abaixo do salário competitivo, então não há nenhum efeito adverso na economia.
Como poderemos então saber se o salário mínimo está demasiado elevado ou próximo do competitivo? O que eu sugiro é olharmos para a distribuição salarial e observarmos o número de trabalhadores que recebe o SMN: se houver uma grande concentração de trabalhadores a receber o SMN, então sim, deveremos suspeitar que o SMN está próximo do salário competitivo.
Distribuição salarial, 2010. (fonte) |
Há uma concentração enorme de trabalhadores a receber o salário mínimo, o que parece sugerir que o SMN é elevado.
Faço a ressalva de que não vivemos num mundo neoclássico, pelo que poderão muito bem haver outras razões que justifiquem esta concentração,
nomeadamente a segmentação do mercado de trabalho e a rotação de
trabalhadores, fora outras quinhentas imperfeições.
Mas, o facto de observarmos a percentagem de pessoas a receber o salário mínimo, vemos que essa percentagem tem aumentado paulatinamente desde 2006, o que dá força a essa suspeita.
Percentagem de trabalhadores a receber o SMN. (fonte) |
Portanto, não devemos criticar o Cosme Vieira quando ele diz que o salário mínimo cria um preço mínimo que tem efeitos distorcedores.
2. A segunda crítica que podemos e devemos levantar ao Cosme Vieira é:
Quais são os efeitos distorcedores que o aumento do salário mínimo pode provocar?
Como não vivemos num mundo neoclássico, não será apenas desemprego. Aliás, o aumento do desemprego é o efeito mais duvidoso. O gráfico seguinte foi construído aglomerando os resultados de vários estudos sobre a resposta do desemprego face ao aumentos do salário mínimo, e mostra que o desemprego praticamente não reage a alterações no salário mínimo.
Então, quais são os possíveis impactos do salário mínimo? Seguindo o trabalho do John Schmitt:
- As empresas podem aumentar os preços dos seus bens;
- Os empresários respondem, diminuindo o salário de outros trabalhadores mais bem pagos;
- Os empresários podem reagir, diminuindo outras compensações ou horas de trabalho ou as formações;
- As empresas podem muito bem contentar-se com lucros menores;
- Os empresários podem exigir que os trabalhadores se tornem mais eficientes ou trabalhem mais;
- Os trabalhadores podem responder, trabalhando com mais afinco voluntariamente;
- O aumento reduz a rotação dos trabalhadores, o que diminui os custos de gestão de recursos humanos e aumenta a produtividade.
Tenho a apontar que as respostas 5, 6 e 7 evocam os salários de eficiência; já a 2 é a conhecida compressão salarial, que se observa bem em Portugal. A resposta mais natural, a meu ver, é a transmissão de aumentos salariais para aumentos de preços.
Portanto, sim, devemos criticar o Cosme Vieira por insistir que o aumento do salário mínimo irá aumentar o desemprego em todo e qualquer caso. Há outras formas de as empresas absorverem o choque.