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"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

sábado, 31 de agosto de 2013

Cortar nos salários?

Depois do debate que aconteceu no início do ano, a "necessidade de cortar nos salários" é um tópico que tem surgido esporadicamente ao longo deste Verão.

Eu compreendo porque há aqueles que dizem que os salários têm que descer. Quem defende a descida dos salários, sustenta-a com dois raciocínios:
  1. Menores salários leva a mais trabalhadores empregados;
  2. Permite diminuir os preços - principalmente nas exportações, o que ajudava a corrigir a balança corrente.
Eu tenho algumas dúvidas sobre os dois mecanismos.

Na primeira, pode ser por minha culpa que tenho uma visão rígida do mundo. Se uma empresa usar uma determinada técnica de produção, então precisa de trabalhadores e máquinas numa determinada proporção independentemente dos preços. Se ela precisa de 2 trabalhadores e 1 máquina para produzir 1 unidade,  e só conseguir vender 1 unidade, então empregará 2 trabalhadores e 1 máquina quer os salários desçam ou não.

Quanto à segunda, Portugal é tipicamente um país tomador-de-preços nas exportações: isto é, nós não fazemos o preço, não temos capacidade de repassar aumentos dos custos para o consumidor final. Mas, se o custo por unidade diminuir, então sim, temos margem de manobra para diminuir o preço. Temos margem para tal, mas nada o garante. A empresa pode decidir enquanto vender a preço antigo e decidir aumentar os seus lucros; ou então descer os preços, expandir a quota e assim empregar mais. 

Dito de outra forma, as minhas dúvidas são fundamentadas na não-substituição de factores e na rigidez dos preços à descida.

Mesmo com estes dois problemas, quem defende a descida dos salários ainda tem uma hipótese: descer salários abre as portas a novas empresas que são mais intensivas em mão-de-obra.

Olhemos agora para o plano interno: 
O salário, como porção do rendimento, ganha importância à medida que o rendimento decresce. Isto é só uma maneira de dizer que quanto mais pobre és, as outras fontes de rendimento (rendas, dividendos) perdem peso na composição do teu rendimento. A partir de outro patamar, o salário perde peso para transferências do Estado. Sabendo que a propensão a consumir é mais elevada nos mais pobres, então o consumo interno vai-se ressentir.

Por outro lado, há que considerar o facto de empresas e famílias terem dívidas passadas que estão fixas em preços nominais. Assim, com uma descida do salário, uma  maior porção do rendimento tem que ser destinada a honrar esses compromissos. Com uma subida da taxa de esforço não será de suspeitar um aumento do crédito mal-parado.

E não, nada disto será compensado por um aumento do investimento.

Neste cenário, o ambiente não é propício a novas empresas. A não ser que passem a exportar logo para o exterior.


Voltando ao segundo ponto, o problema do défice da balança corrente pode ser dito deste modo: acumulámos défices de 10% do PIB ao longo de anos, porque os nossos preços estavam demasiado elevados. Mas, o reverso da moeda é o mesmo que dizer que os preços estrangeiros estavam demasiado baixos para nós. E não apenas para nós, para a Espanha e a Grécia e mais uns tantos.

Curiosamente, o reverso da moeda a descer os salários em Portugal é subir os salários na Alemanha. Prefiro esta solução e já foram tomados alguns passos nesse sentido. 


Em nenhum destes pontos estou a ser taxativo. Apesar de tentar estar a explicar o panorama a outros, estou principalmente a pensar para mim.

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