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"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

quinta-feira, 5 de março de 2015

Verdadeiros direitos fundamentais

Neste rectângulo no fim da Europa, pacato e fadista, há uma tendência política que procura, à saciedade, dar um arzinho de esta ser uma terra de anarquia e revolução. Para os poucos que ainda não descobriram de qual tendência se trata, estou-me a referir à 3ª força que mais faz barulho em Portugal: o sindicalismo (a seguir ao comentário futebolístico e ao politico na TV).
Veio isto a propósito das incansavelmente repetidas greves no sector dos transportes, em particular, no Metro de Lisboa.
Só para não irmos mais atrás, na última semana, tivemos:
  • Greves na CP e na Carris ao trabalho extraordinário, de segunda a sexta-feira;
  • Greve no Metro de Lisboa, terça-feira;
  • Concentração de activistas do sector ferroviário e manifestação nacional de ferroviários, quinta-feira;
  • Greve no Metro de Lisboa na sexta-feira, desconvocada à última hora.

Mas, calma! Antes que o pessoal perca o hábito, estão já marcadas novas “jornadas de luta”:
  • Continuação da greve ao trabalho extraordinário na CP e Carris, Março inteiro;
  • Plenário e manifestação de trabalhadores da TST, 16 de Março;
  • Greves no Metro de Lisboa, 16 e 18 de Março.
Caramba, que estes tipos não se cansam!

Gostava de saber o que pensam os instigadores desta "fúria grevista" sobre os “direitos inalienáveis” (como gostam eles de dizer)… dos utentes dos transportes públicos! É que, como dito pelo Tribunal Arbitral que decretou serviços mínimos para as paralisações da semana passada no Metro, e bem assinalado por Pedro Sousa Carvalho no Público«quando o metro pára, está em causa a “liberdade de circulação das pessoas, tanto considerando o direito de circulação em si mesmo, como relacionando tal direito com o direito à saúde, o direito à educação ou o direito ao trabalho em sentido amplo (já que o exercício destes direitos depende da possibilidade de acesso a um determinado local)”».
António Borges de Carvalho assinala as razões que levam a tamanha fuga à jornada propriamente dita (a de trabalho): «As greves são exclusivo de gente de um modo geral bem paga, ou muito bem paga, cheia de prebendas e contratos malucos, que não teme despedimentos, não sente a falta dos salários nos dias de greve e só em casos extremos pode ser posta na rua».
Porque os trabalhadores do sector dos transportes públicos gozam de privilégios, mais do que injustificados, insultuosos para a maioria dos cidadãos trabalhadores neste país.
Até há não muito tempo, circulava uma folha, essencialmente referente ao Metro de Lisboa, da qual constava:
  • Secretária de administração: €3.753,59;
  • Mestre serralheiro: €2.969,30;
  • Maquinista de manobras: €2.785,17;
  • Maquinista: €2.587,25;
  • Fiscal: €2.020,66;
  • Motorista: €1.939,09;
  • Agente de tráfego: €1.642,41;
  • Desenhador: €1.547,09;
  • Auxiliar: €1.476,86;
  • Maquinistas conduzem 3h/dia e recebem entre 317€ e 475€ para abrir e fechar as portas; recebem subsídio por km percorrido, mais 68€ se faltarem menos de 5h, ou 223€, se não faltarem todo o mês;
  • Funcionários do Metro têm assistência médica gratuita ao domicílio e recebem o ordenado por inteiro nos dias de baixa;
  • Todos os trabalhadores do Metro, ao serviço ou reformados, têm direito a transportes públicos gratuitos, bem como seus cônjuges, pais, filhos, enteados e irmãos;
  • Funcionários do Metro, Carris e Transtejo reformam-se com pensão igual ao último ordenado.
Não espanta, desta forma, que o pessoal da Fectrans (Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações) marque greves «como quem faz xixi»!

  
A situação é tão mais absurda, porquanto as reivindicações dos grevistas são coisas tão genéricas como a “defesa dos serviços públicos”, da “qualidade dos serviços”, ou protestos contra os preços ou contra as subconcessões.
Como se greves amiúde no sector “defendessem os serviços públicos", os tempos de espera, a satisfação dos utentes (que lhes interessa essa parte?), reduzissem os preços e impedissem decisões de privatização.
Muito pelo contrário!
Cada vez que o Metro não anda ou que os autocarros da Carris não saem das garagens, não é o governo quem perde (já que os seus membros não são, que conste, utilizadores de transporte público urbano), mas sim os trabalhadores (que não têm capacidade de ter carro próprio, por impossibilidade económica ou motora), os idosos, os inválidos, os estudantes, etc..
Cada vez que a CP não viaja, a companhia acumula prejuízos, a juntar aos muitos crónicos que traz de continuada má gestão e de investimentos avultados nas infra-estruturas ferroviárias, o que só acelera a sua falência, empurrando-a para a previsível venda a privados.
Cada vez que a TAP não voa, a transportadora perde clientes, torna-se mais vulnerável perante a feroz concorrência internacional, tem de encerrar rotas, acumula dívidas, que, na impossibilidade de serem pagas por fundos públicos (impossibilidade jurídica – ordens da Comissão Europeia – e financeira – onde está o dinheiro para arcar com aqueles milhões?), embaratecem a empresa e, novamente, empurram-na mais rapidamente para privados estrangeiros.
E por aí fora.

Há, por isso, uma certa falta de visão da parte dos sindicalistas (felizmente, nem todos: [1] e [2]), que convocam greves e manifestações a torto e a direito, apenas por protagonismo político e interesse pessoal de “mostrar trabalho”. Activistas que, não-raro, levam a vida nessas lides, enchendo os discursos de frases feitas e reivindicações obtusas e desapropriadas.
Mas, no fim, percebe-se porque, quando se fala em privatizar essas empresas, estes protestantes profissionais ficam logo eriçados. É que, no privado, os sindicatos não se ensaiam desta maneira e com esta frequência, pois as pessoas só querem exercer o seu direito fundamental de levar a vida sem serem prejudicadas pelo sindicalismo irresponsável!

PS: A propósito, comentando o referido artigo de Pedro Sousa Carvalho no Público, um sujeito escreveu com piada: «O espanto é que estão todas as semanas a fazer greve contra o patrão e quando se fala de mudar de patrão fazem nova greve para o manter. É o problema destas paixões doentias».

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