Neste primeiro post, vou resumir o que foi dito na
palestra. No próximo, tratarei de fazer a minha crítica aos argumentos
apresentados.
A palestra seguiu 3 etapas:
- Na primeira, JFA apresentou a sua visão acerca das origens da crise portuguesa;
- Na segunda, expôs a sua opinião sobre o actual programa de ajustamento financeiro e o porquê de ele não estar a dar resultado;
- E na terceira, vincou a alternativa para a situação actual: a saída do Euro.
Na primeira parte, o orador
procurou descrever as razões estruturais para a crise nacional.
Entre elas, sublinhou a distorção da estrutura económica ocorrida
desde há 2 décadas, virada para sectores de bens não-transaccionáveis. A indústria
transformadora nacional pesa hoje cerca de 13% do PIB, quando em 1990 a sua
importância na economia rondava os 22%, referiu.
Os efeitos do processo de “desindustrialização”
fizeram-se sentir na balança de transacções correntes, progressivamente mais
deficitária, conduzindo ao endividamento e sucessiva acumulação de dívidas,
tornando Portugal no segundo pior registo da zona monetária desde o
início do século (a seguir à Itália).
Na introdução do sistema monetária europeu, o escudo estava demasiado
valorizado face às restantes moedas, o que representava um corte com o passado nesse âmbito. Resultado: houve
um grande incentivo ao investimento em sectores protegidos à concorrência
externa – em 90s e 2000s, «os preços dos bens não-transaccionaveis subiram
cerca de 50 vezes mais do que os dos bens transacionáveis», referiu. Há ainda a
considerar o aumento do ritmo da globalização, o Euro internacionalmente muito
valorizado e o alargamento a Leste como factores que ajudaram ao colapso
económico do país.
Os “mercados” demoraram a
perceber que o país teria cada vez mais dificuldade para solver os seus
compromissos. Até então, por pertencer à UE, o país foi “autorizado” a acumular
défices sem perpectiva de os anular, com financiamento facilitado. Mas em 2010,
agravada pela crise sistémica de outros países europeus, os credores externos
começaram a “secar” o financiamento e Portugal teve de pedir assistência
financeira externa.
A razão principal para este
atraso foi a adesão à moeda única europeia em 2001.
Desta forma, JFA procurou
explicar que, não obstante a crise internacional iniciada em 2008 pelo subprime americano, Portugal teria mais cedo ou mais tarde a sua própria
crise, economicamente alicerçada.
2. Ajuda da troika
Numa segunda fase, o catedrático
fez a sua análise ao programa de ajustamento financeiro da troika.
Segundo ele, o programa não está
a dar, nem dará, frutos porque a sua concepção não foi virada para «ir à raiz
do problema» (acima descrito). Além do mais, não foram claramente delineados os
objectivos da assistência: corrigir o défice orçamental, défice externo,
crescimento económico, ou regresso aos “mercados”.
O docente considera que o
programa deveria ter sido direccionado para incentivar o investimento
na indústria produtiva e a procura interna (investimento actual abaixo do que era há 6 anos - ver gráfico abaixo) e criar as
condições estruturais para Portugal crescer no pós-troika – JFA lembrou o plano Marshall da segunda metade do séc. XX,
orientado para o investimento nos sectores expostos à concorrência
internacional e às infra-estruturas da Europa. «É necessário um crescimento mínimo para o Estado cumprir com as funções
sociais» (para além de que os encargos com Saúde e Segurança Social
tendem a subir).
Fonte: INE |
Prosseguiu: «O memorando de
entendimento pretende atingir dois objectivos conflituantes entre si»:
correcção do défice público e da balança externa. «Só é possível reduzir o défice externo
(importações), retraindo a procura interna» (confirmar no gráfico abaixo), o que significa
recessão, originando quebra nas receitas fiscais, comprometendo as finanças
públicas. As duas metas apenas poderiam ser alcançadas com um programa mais
extenso no tempo.
Futuro e demografia
O orador perspectivou o futuro: continuada queda nas importações pela
redução da actividade económica, défice público incorrigível, aumento de
impostos, desemprego cada vez maior (a não ser que compensado pela emigração).
«O programa arrisca-se a prolongar indefinidamente
no tempo, com ou sem regresso aos “mercados”», rematou.
Aliás, o economista expressou a
sua preocupação com o problema demográfico. A juntar-se ao nível crescente de
emigração que se verifica hoje, soma-se o envelhecimento geral da população. A
situação de hoje em pouco se pode comparar aos fenómenos emigratórios do séc.
XX: a população emigrante dessa altura era muito jovem, mas a que cá ficou continuou
muito nova porque a natalidade era elevada e as pessoas viviam
menos. Hoje em dia, o rácio de dependência de idosos é muito alto e, a
prosseguir este ritmo, Portugal perderá cerca de 1 milhão da sua população
activa nos próximos 10 anos, tornando insustentável a segurança social.
Portanto, «a assistência, não só
não está a resolver problema nenhum, como está a agravar problemas já existentes
e a criar outros, como o do desemprego».
Na terceira parte, o economista
considerou existirem três alternativas à situação actual: a) prolongamento da assistência vigente, b)
perdão significativo da dívida, c) saída do Euro.
JFA não se debruçou sobre as duas primeiras: Julgou claro porque não
considera a primeira uma boa opção. Quanto à segunda, apelou à história para
dizer que «os perdões de dívida nunca são grátis,
fazem-se “pagar” no futuro e não resolvem a questão estrutural da economia».
Apoio das instâncias
europeias
Para sair da zona Euro, o país «tem de ser apoiado pelas autoridades
comunitárias». Elas próprias «têm interesse» na nossa saída, porque ficam sem um foco de desestabilização (que reclama
subsídios, financiamento, perdões, etc.). E, por outro lado, há condições para
Portugal retomar o rápido crescimento económico, se tiver um impulso (dispõe de
infra-estruturas e mão-de-obra mais qualificada). O Tratado de Lisboa
introduziu uma cláusula que dá aos países o direito de secessão da UE, o que por analogia lhes confere o mesmo direito em
relação à zona monetária, disse.
Custos da saída e soluções
Ao sair do Euro, alguns extractos sociais poderão ser afectados, e alguns
produtos alimentares e medicamentos ficarão
mais caros (pouco significativos na dimensão), tornando necessário programas
públicos que compensem os afectados.
Mas, só há um caminho para Portugal ser competitivo: desvalorização da
moeda própria, reorientação da estrutura produtiva para sectores exportadores,
reactivação do imobiliário (mais atractivo para estrangeiros) e aposta nas
energias renováveis. (ver mais)
Quanto à desvalorização da moeda,
JFA esclareceu que um país como o nosso tem
todo o interesse em ter uma moeda fraca porque não se considera competitivo, e
mesmo países desenvolvidos recorrem frequentemente a desvalorizações – eg: em
2010, a Suécia desvalorizou a sua moeda 20%.
A dívida pública deve ser mantida em Euros, recorrendo a excedentes externos e emissões monetárias para anular o efeito do câmbio. Segundo ele, o rácio que melhor traduz a capacidade de um país pagar o que deve
é o que relaciona o volume da dívida com a capacidade de obter fundos externos
(pelas exportações).
Em relação aos depósitos, o economista recordou o caso Chipre para dizer
que estar na zona Euro não é garante da salvaguarda das
aplicações. Apesar disso, reconheceu que os depositantes possam sair
afectados com a mudança de moeda, mas propôs que o Estado compense as famílias
e empresas na proporção da desvalorização cambial
nas dívidas aos bancos (financiado por emissão monetária). Sob acordo com os
credores europeus, propôs que as aplicações dos bancos continuem denominadas em Euros para evitar imparidades.
Já a dependência energética contraria-se
com a aposta nas renováveis. Hoje, estas estão muito dependentes da
subsidiação/descontos fiscais, porque se apresentam comparativamente mais caras
face ao petróleo. Com a adopção de moeda própria, a energia importada fica relativamente mais cara
e as renováveis mais competitivas, reduzindo a necessidade de ajuda do Estado
para serem introduzidas no mercado.
Quanto à questão agrícola e a
dependência alimentar que o país tem, JFA clarificou que o principal factor de
atracção pela produção nacional (consumo e fomento) é a competitividade pelo
preço. O que só pode ser alcançado com desvalorização cambial, que reduza os
bens importados.
Ao fim de um ano/ano e meio, já
se notariam resultados na reorientação da estrutura produtiva. Mas em menos de 15 anos
não se crê que o ajustamento esteja completo.
Todavia, reconheceu inevitável uma inflação elevada, mas esclareceu que a
história do país mostra que inflações de 30% são «suportáveis»
(anos 70/80).
O que nos impede de sair
Para o universitário, existem
interesses por de trás da permanência na zona Euro. As últimas décadas têm sido
marcadas pela “ditadura dos mercados”, que reduziram a economia à sua vertente
financeira, esquecendo a sua parte “real”. «Os interesses ligados ao mundo
financeiro são poderosíssimos,
e as orientações políticas internacionais [o G20] são dominadas pela agenda da
finança».
Ferreira do Amaral julga
demasiado óbvia a origem dos nossos problemas estruturais. Acha incompreensível
que os economistas em geral alinhem no discurso de que sair do Euro seria uma
catástrofe, tendo tentado demonstrar ao longo da palestra que algumas
afirmações feitas acerca das consequências da saída do Euro não passam de
mentiras, servindo apenas para proteger interesses instalados.
Feito o retrato do que foi
debatido na sessão, julgo o assunto muito pertinente, que deve ser discutido.
Contudo, num próximo post, não deixarei de pôr a nu algumas
deficiências na desta análise e considerações adicionais, não querendo com isso
sub-estimar o contributo de JFA para esta discussão.
Aguardemos então.
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