Muito se tem discutido a questão dos Swaps das empresas públicas. A meu ver, esta história ainda vai fazer correr muita tinta e vamos ouvir falar nestes contratos por algum tempo. Por este motivo, aqueles que vêm em busca de uma grande explicação do que correu mal e de quem são os culpados desenganem-se, ainda é muito cedo para apurar culpas (utilizando apenas a informação pública, como é óbvio). Assim, comprometo-me com esta publicação a atingir 4 objectivos: (1) esclarecer um pouco mais o que são estes contratos, quais os riscos envolvidos e como podem ser utilizados; (2) enumerar alguns factos relevantes já divulgados; (3) acrescentar alguns dados que deveriam ter sido revelados mas que foram omitidos (porque não ajudavam a vender jornais e a fazer capas chocantes); (4) deixar algumas questões (por enquanto retóricas) que ainda faltam ser respondidas de modo a clarificar todo este caso.
Por se tratar de um tópico algo técnico e quiçá confuso, abrirei os comentários para esclarecer qualquer dúvida que fique. Para quem queira ler outra opinião, fica um artigo de Miguel Pimentel no Público que me parece bastante elucidativo, embora algo extenso.
(1) Swaps?
Resumidamente, um contrato Swap não é mais que uma troca de fluxos financeiros. Se associado a taxas de juro (mais convencional), trata-se da troca de uma taxa variável (indexada a uma qualquer Euribor) por uma taxa fixa (acordada com a terceira parte). No entanto, podem também contratar-se Swap de taxas de câmbio (troca de fluxos em moedas diferentes), de matérias primas (trocando a cotação de mercado por uma cotação fixa acordada entre as partes), entre outros, bem como incluir opções no contrato acerca de variáveis terceiras.
Como é que eu ganho com o Swap? Se a taxa variável subir, onde consigo uma poupança com a fixação da taxa e onde a contraparte tem o custo (de oportunidade) de receber a taxa fixa (de valor mais baixo). Do mesmo modo, se a taxa variável cair, a parte que paga a taxa fixa (neste caso eu) terá o custo de oportunidade e a contraparte o ganho.
Como dizia João Duque numa aula esta passada segunda-feira: "Exotics can be toxic, but also plain vanilla can", ou seja, não é necessário um contrato ser exótico (de maior risco) para ser problemático.
Exemplificando um "plain vanilla":
Se eu tenho um empréstimo de taxa variável (indexado, digamos, à Euribor 6M) e entendo que corro o risco de as taxas de juro subirem, posso realizar um Swap, em que troco a minha taxa variável por uma fixa, por um determinado período de tempo. O que acontece aqui é uma fixação das prestações do empréstimo, visto receber a taxa variável (para cobrir a prestação do empréstimo) e pagar a taxa fixa (como contrapartida do Swap). Se a Euribor 6M cair, a minha prestação (do empréstimo) vai cair, bem como o fluxo recebido do Swap. Como a taxa fixa (do Swap) se mantém inalterada, incorro num custo de oportunidade (perda potencial) de incorrer no Swap.
A questão é que os contratos assinados não ficaram por aqui... Segundo a análise do IGCP, existem diversos problemas com os contratos vigentes, nomeadamente:
a) Complexidade: algumas taxas envolvidas nos Swap não eram as tradicionais, mas sim spreads entre maturidades, retornos de dívidas de diferentes economias ou mesmo combinações dos dois (artigo lido na versão impressa).
b) Opacidade: a estrutura de alguns contratos assentava em índices criados pelos bancos, sem qualquer relação directa com activos ou mercados financeiros.
c) Alavancagem: muitos dos contratos teriam o problema de serem mais longos que os créditos que visavam cobrir, o que abria uma margem temporal para riscos adicionais.
d) Valor inicial: alguns contratos teriam valores iniciais sobre-avaliados, o que também poderia aumentar o potencial para perdas.
(2) Factos
Seguem-se alguns factos noticiados acerca deste caso que se perfilam relevantes.
a) Falam-se em perdas potencias de quase 3.000 milhões de euros. O
que acontece é, que são estas perdas? [Resposta abaixo - (3)a)]
b) O Estado já reduziu as perdas em 500 milhões de euros (170 milhões em juros). Esta diminuição foi alcançada com base na renegociação de 14 contratos.
c) Dos contratos que faltam renegociar, os do Santander e JP Morgan acumulam perdas potenciais de 1700 milhões de euros.
d) Afinal o IGCP só reconhece 205 milhões de poupanças... Veremos quem tem razão!
c) Dos contratos que faltam renegociar, os do Santander e JP Morgan acumulam perdas potenciais de 1700 milhões de euros.
d) Afinal o IGCP só reconhece 205 milhões de poupanças... Veremos quem tem razão!
(3) Factos Omissos
Muitas vezes, o maior problema de estarmos em Portugal (digo eu, talvez no resto do mundo seja igual) é a comunicação social apenas contar o lado da história que vende jornais e dá visualizações nos sites (mais ou menos como na política). A vantagem da blogosfera é que há sempre alguém que conhece o outro lado, neste caso espero ser eu (não só, mas também). Assim, segue-se aquilo que os media não explicaram:
a) As perdas potenciais de que tanto se fala não passam do custo de oportunidade de incorrer no Swap. Já os 3.000 milhões não são mais que o valor presente de todos estes custos de oportunidade, já que os contratos de Swap se mantêm vigentes até aos inícios da década de 2020 (2026 no caso da Refer, por exemplo).
b) Os contratos foram assinados, na sua maioria, em torno dos anos de 2006-08. O que é que isto significa? Que as taxas de juro rondavam os 4-5% no caso da Euribor 3M e 5-6% no caso da Euribor 12M. Deste modo, é perfeitamente aceitável a assinatura dos contratos de Swap para cobertura de risco, já que até à falência do Lehman Brothers se esperava uma subida das taxas de juro.
(4) Questões por responder
De tudo o exposto anteriormente, ficam-me algumas "pulgas atrás da orelha"...
a) As cláusulas "exóticas" foram assinadas por vontade dos gestores (que acharam que percebiam de mercados e produtos financeiros) ou por imposição da banca (tentando ludibriar as empresas com cláusulas que os gestores desconheciam)?
(Resposta provável: os dois!)
b) Porque é que os contratos não foram revistos com a descida das taxas de juro? Os gestores não quiseram ou os bancos não deixaram?
(Resposta provável: os dois!)
c) Como foi feita a renegociação? Baixou-se a taxa fixa, reduziram-se as maturidades, ambos, ou resolveram-se os contratos?
Em jeito de conclusão, acrescentar apenas que (como já referi acima) este tema ainda vai dar que falar, pelo que voltarei a ele caso faça sentido, o que me parece bastante provável.
Os chamados "custos de oportunidade" (ou ganhos, quando são favoraveis) são apresentados nas contas das empresas como passivos (ou acréscimos de gastos).
ResponderEliminarNão deixam por isso de afectar a situação patrimonial da empresa e não são uma coisinha que "poderá" vir a afectar a empresa, eles afectam desde já a análise feita às contas.
Independentmente da valia destes instrumentos que é explicitada na litetarura técnica há nestes caso das empresas públicas um aspecto que é sobremaneira gritante: a escala do valor reconhecido nos passivos das empresas publicas face ao valor nominal dos contratos.
Por outro lado tem sido ignorado o impacto efectivamente incorrido e reconhecido nas contas dos exercicios anteriores decorrentes dos ganhos ou perdas dos fluxos financeiros gerados por estes contratos.
Pegando no exemplo da Carris o relatório e contas de 2012 detalha o valor dos contratos de swap contratados desde 2005 bem como as suas condições gerais. Vale a pena ler.
O relatório e contas mostra que os contratos de swaps, no valor de 505 milhões de euros, geraram fluxos financeiros entre 2005 e 2012 no valor de -35,3 milhões de euros, estes valores foram reconhecidos como perdas efectivas nas contas.
O relatório indica tambem que os contratos de swap efectuados não cumprem os critérios para poderem ser considerados de cobertura, ou seja, são classificados como aplicações financeiras que não se enquadram nos objectivos da gestão de risco.
Finalmente o valor reconhecido no passivo como acréscimo de gastos refente a estes contratos ascende a 114,6 milhões de euros.
Temos assim que o somatório das perdas efectivas com as perdas potenciais ascendem no caso da Carris a 150 milhões de euros. Isto para contratos cujos valores nominais ascendem 505 milhões de euros.
Não estamos por isso a falar do quadro teórico dos instrumentos financeiros nem da sua valia como técnica de gestão. Estamos sim a falar duma perda reconhecida nas contas da empresa que ascende a cerca de 29,7% do valor dos contratos.
Pelo que se pode ver no relatório da DGTF de 09/2012 a situação é generalizada nas empresas publicas que utilizaram estes contratos.
Isto é demasiado grave e com impacto importante nas contas do sector empresarial do estado para se estar com discussões filosóficas se é pertinente ou prudente a utilização. Os resultados estão aí e a sua amplitude fala por si. Urge por isso responsabilizar os intervenientes e prevenir que danos semelhantes possam vir a ocorrer.
É que no final não tenha dúvidas que serão os do costume a "pagar" a conta.