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"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

terça-feira, 28 de maio de 2013

Dívida Pública a Retalho?

Após o regresso de Portugal aos mercados (emissão de Obrigações a 10 anos), surge a possibilidade de o Estado (via IGCP) vir a emitir dívida com maturidade superior a um ano directamente aos aforradores (em alternativa aos Certificados de Aforro/Tesouro). Isto mais não é que "contornar" os leilões de mercados para grandes investidores, mudando de abordagem e virando o foco para os "pequenos" investidores, sejam famílias ou empresas.

Em termos práticos, os títulos deverão (e aqui especulo dentro do que me parece razoável e lógico) ser emitidos em séries de valor predefinido (tal como as emissões de dívida privada de empresas), com taxa predefinida (e não leiloada) e um Valor Nominal (VN) bastante mais baixo que o dos leilões actuais. No entanto, estas emissões não deverão ter a dimensão dos leilões "oficiais" na ordem dos milhares de milhões de euros, mas apenas de dezenas de milhões (quiçá centenas, mas esporadicamente).

Porquê esta ideia/alternativa? Segundo Moreira Rato (Presidente do IGCP) "Houve no ano passado uma tendência das empresas em aproveitarem esta falta de oferta e o IGCP tenciona explorar esse segmento". Tomando como partida os casos Italiano e Irlandês, verifica-se que este tipo de emissões é viável, podendo ser utilizadas diversas maturidades e taxas (fixa, juro crescente ou mesmo prémios de juro sorteados - "prize bonds"). Como se pode ver abaixo, a Poupança Bruta (quer em valor absoluto quer em percentagem do Rendimento Disponível) tem vindo a recuperar durante a crise, estando já na média da última década (quase nos 12%), o que pode constituir uma oportunidade para o sucesso deste produto. Paralelamente, a tendência dos investidores por todo o mundo é de procurar obrigações, estando mesmo dispostos a receber cada vez menos para emprestar dinheiro (como noticiado pelo Económico - Edição Impressa de hoje, dia 28), sendo a oferta global de obrigações insuficiente para satisfazer a procura (o que pressiona a subida de preços destes activos e, por conseguinte, baixa a sua taxa de juro). Este aumento de procura já permitiu a Hungria, Sérvia, Roménia e Ucrânia evitar potenciais resgates financeiros. Do mesmo modo, também a Itália emitiu dívida com o juro mais baixo desde que entrou no Euro.


Fonte: Pordata


Relativamente aos Prós e Contras desta ideia:
1) Prós:
O Estado poderá efectivar uma poupança nos juros, visto a última emissão de dívida a 10 anos ter pago 5,6% e os depósitos a mais de dois anos pagam no máximo 4,7% (TANB - à qual é necessário deduzir comissões e impostos e ajustar ao período de capitalização de juros, o que a baixará substancialmente). Deste modo, o IGCP poderá emitir dívida com uma YTM (yield to maturityuma taxa (interna) de rendibilidade da obrigação que contabiliza todos os fluxos que esta virá a gerar) de 4-5% - com diversas combinações de cupão-prémio de emissão - que será atractiva quer para o Estado, quer para os investidores.
Do mesmo modo, esta canalização de "fundos estatais" para as famílias/empresas pode ser considerada como um "benefício fiscal" para os investidores. Basicamente, poderemos estar a falar de um efeito de "crowding out" cíclico entre investidores e Estado (o Estado paga cupões e capital aos investidores, que pagam impostos sobre o rendimento, retornando o dinheiro ao Estado que voltará a remunerar dívida, ...).
Finalmente, o Estado pode aproveitar o reforço de peso da dívida pública na carteira da Segurança Social para emitir estes títulos a taxas mais baixas que as do mercado primário.


2) Contras:
Uma primeira fragilidade desta "inovação" financeira é o facto de o acesso aos títulos estar condicionado pelo VN pedido "à cabeça". Isto verifica-se porque, como é óbvio, apesar de a poupança ter aumentado, nem toda a população terá fundos suficientes para entrar com 5.000 ou 10.000€ (alguns nem mesmo 1.000) numa posição.
Em segundo lugar, e como já referi acima, estas emissões não terão o mesmo volume dos leilões ditos tradicionais, já que os privados não têm capacidade financeira para alocar as necessidades financeiras do Estado na sua totalidade. Assim, podem ter como meio um aumento da confiança dos investidores privados no Estado enquanto credor, bem como exercer alguma pressão para que as emissões em mercado primário (leilões) baixem os juros mais rapidamente.