O que ensina o latim...

"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

terça-feira, 26 de março de 2013

As consequências do leilão da DECO


Ontem escrevi sobre os efeitos que espero que venham do leilão sobre o mercado mudando o comportamento dos consumidores: estes procuram o preço melhor com mais frequência e com maior sucesso, portanto exercendo força como um peso nos preços.

Hoje venho complementar essa análise com a estrutura de mercado, e portanto ver o impacto do leilão no mercado como um todo. Mas antes disso, deixem-me deixar claro que eu não conheço o mercado da electricidade de nenhuma forma em particular. Não sei como é regulado, como funciona, todos os concorrentes, a os custos, etc. Mas avanço, porque mesmo não sabendo, desconfio de alguns aspectos.

Adiante. Eis como vejo esse mercado (de consumo doméstico): a EDP detém o monopólio da produção, mas o mercado tem uma franja competitiva (Endesa, Iberdrola e Fenosa). A franja tem todo o interesse em crescer para ganharem escala e apossarem-se de parte do lucro da EDP, a EDP tem tudo o interesse que as pequenas continuem pequenas, para que não magoem os lucros da EDP. É esta a dinâmica que justifica o sucesso do leilão do lado da oferta.

Mas agora reparem, o mercado é um monopólio. Pode ter outros concorrentes, mas é essencialmente um monopólio, porque a EDP tem poder de mercado, é capaz de definir preços. E como qualquer aluno de Microeconomia sabe: com discriminação de preços, um monopólio é capaz de aumentar os seus lucros ainda mais. Se o produtor é capaz de identificar quanto cada um de nós está disposto, o chamado preço de reserva, ele pode comprar esse preço e portanto extrair todo o excelente do consumidor, aumentando o seu lucro.

E, o que o leilão acabou de fazer foi mesmo isso! A DECO acabou de criar um mecanismo que separa aqueles que estão dispostos a pagar mais pela electricidade que os outros. Este leilão acaba por separar aqueles que se dão ao trabalho de procurar preços mais baixos e têm informação, daqueles que não têm informação, são desconfiados da mudança e não se dão ao trabalho de procurar melhores preços, e portanto pagam mais como consequência.


Na prática passamos de ter um mercado de electricidade, para dois, porque o produtor é capaz de discernir os consumidores agora: um para os preguiçosos e outro para os pesquisadores. No primeiro caso temos uma curva da procura muito inelástica, e no segundo uma mais elástica.

Naturalmente, como a estrutura de custos é a mesma, mas a elasticidade da procura é inferior no primeiro caso, o preço será superior no mercado dos preguiçosos do que no mercado dos pesquisadores.


Portanto, uma consequência deste leilão seria o aumento do preço para aqueles que não aderiram ao leilão, caso não houvesse um regulador e se as empresas fizessem actualizações imediatas para o preço óptimo. Mas já que se admite que há rendas no sector energético, isto é, lucro excessivos então diria este regulador não faz um trabalho de primeira na defesa do consumidor.

No fim temos duas boas razões para aderir ao leilão da DECO: entrasse no mercado liberalizado a um preço menor do que seria noutro caso e evita o aumento do preço por ficar no mercado dos preguiçosos.