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"Quod non est in actis, non est in mundo" ("O que não está escrito, não existe")

domingo, 3 de março de 2013

Pedro Leão, a Europa e o Euro - Parte I.

Na terça-feira passada fui assistir a uma conferência em que o Pedro Leão era orador. O tema mexia com a actual crise e procurava saber se Fará Sentido uma União Monetária na Europa? Eu já tinha sido aluno do Pedro Leão há ano e meio, por isso já suspeitava a resposta, mas estava interessado em saber se havia desenvolvimentos.

Cheguei uns minutos atrasado à sala, porque a melhor maneira de apreciar uma palestra é de barriga cheia. Diga-se que aquela baguete de atum caiu mesmo bem. Quando entrei, reparei que todos os presentes foram ou são alunos do Pedro Leão, à excepção de um amigo meu - que será aluno -, e os restantes eram professores.

Ao sentar-me no meu lugar, finalmente tive oportunidade de ver o que estava projectado no quadro:
Se a UM entre os 52 Estados dos EUA funciona sem problemas há cerca de 200 anos, porque é que passados apenas 10 anos a UM entre 17 Estados da UE criou problemas que parecem não ter solução?
A pergunta era provocativa. Era como se fosse um soco no estômago do BCE e da Comissão Europeia.

Para respondê-la, o Professor começou com um exemplo de um choque assimétrico. Um choque assimétrico, neste caso, refere-se a uma diminuição (ou aumento) inesperado da procura ou oferta que afecta com diferentes magnitudes os membros de uma união.

O exemplo dado tinha como gatilho o fim da URSS em 1991. Com o fim da Guerra Fria, a corrida às armas acabou, o que causou uma queda na despesa com defesa nos Estados Unidos. Acontece que a indústria militar está concentrada apenas num par de estados norte-americanos, sendo um deles a Califórnia, e portanto temos aqui um exemplo de um choque assimétrico: a procura é reduzida drasticamente num estado em particular, enquanto o resto da União segue business as usual.

Despesa militar dos EUA (%PIB): fonte
Como consequência, a taxa de desemprego na Califórnia sobe para 10%, enquanto a média nacional rondava os 7,4%.  Mas já no ano a seguir, o desemprego na Califórnia desce para a média nacional. A razão avançada para este rápido ajuste "interno" deve-se à facilidade com que os americanos podem mudar de estado, pelo que muitos dos desempregados emigraram para estados com um desemprego menor.

Comparativamente com a Europa, a emigração desempenha um papel muito menor. Como prova disso, considere-se a seguinte estatística: 33% de todos os norte-americanos reside num estado diferente daquele em que nasceu, em contraste com os 1,5% dos europeus.

Percentagem da população residente oriunda de fora do estado (2010): fonte
A razão para a menor mobilidade da mão-de-obra europeia deve-se às barreiras linguísticas e culturais da Europa. Mas não é só isso, mas também a força com que estas barreiras hoje se fazem sentir é muito maior hoje do que durante o Estado Novo, por exemplo. Enquanto no tempo do Salazar, apesar da emigração ser praticamente ilegal, uns 1,5 milhões de portugueses emigraram para o resto da Europa desempenhar trabalhos que não requeriam fluência na(s) língua(s) do país anfitrião. Nos dias de hoje, da economia dos serviços, os trabalhos requerem uma grande fluência na língua do país do destino da emigração, pelo que é mais difícil encontrar trabalho no estrangeiro.

Portanto, a emigração não é capaz de normalizar o desemprego pela Europa.

Quais são as alternativas para o problema europeu? Isso fica para a segunda parte, que isto já vai longo.


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